Filha da jornalista e escritora Alice Vieira e de Mário Castrim, crítico de televisão que também fez da escrita o centro da sua vida profissional, Catarina Fonseca começou pela literatura para os mais jovens, mas depressa estendeu o seu domínio da escrita aos adultos. Com obra multipremiada, hoje aqui fica um exemplo do seu trabalho com um trecho do livro "A Guardiã".
Jornalista com participação em publicações como as revistas Coleções, Visão, Visão Júnior, Prima ou Activa, Catarina Fonseca nasceu na cidade de Lisboa em 1969. É licenciada em Línguas e Literaturas Modernas pela Faculdade de Letras de Lisboa, além de mestre em Literatura Inglesa. Entre os livros que publicou encontram-se "A Guardiã", de que aqui se apresenta um excerto, mas também "O Clube das Encalhadas", "O Conto da Gazela", "Maria do Castelo", "O Amansador", "Boi Vermelho" ou "Adeus, Al Capone". Mas tudo começara bem antes, em 1988, quando "A Malta do 2º C" lhe garantiu o Prémio Inasset Inéditos de Literatura Infantil. E o maior destaque resultou do livro "A Herança", ilustrado por Cristina Sampaio, ao qual foi atribuído o Prémio APE Revelação 1987. Cerca de 20 anos depois publicaria "Instalação para duas cadeiras e um bacalhau da Noruega ou Para que é que ainda serve um homem?"
"Não disse conscientemente: 'Olha, a partir deste livro vou começar a escrever para adultos.' Não, houve uma evolução natural e é muito engraçado porque acho que cresci com os meus livros", contou a própria, a 2 de março de 2006, no programa "Entre Nós", da RTP, em entrevista a Raquel Santos, referindo-se a "Boi Vermelho", primeiro título dirigido a um público mais maduro. "E isso nota-se: os primeiros s\ao muito divertidos, muito adolescentes, são muito para um público que, naquela altura, tinha a minha idade ou um pouco menos", explicou, lembrando que "A Malta do 2º C se passava "totalmente no interior da escola".
Nessa entrevista, teve oportunidade de viajar por muito do que eram as explicações para a sua atração pela escrita. "Sempre gostei muito de ler, quando era pequenina tinham de me proibir de ler", relatou. "Tinha umas certas hora em que podia ler e outras em que não o podia fazer", confessou entre sorrisos. "Nunca me disseram: 'Olha, vai ler.' Nunca! Sempre tive livros à minha volta, assim como sempre brinquei, nunca foi uma coisa imposta", revelou. "O meu pai contava-me muitas histórias e é engraçado, porque sempre gostei mais de ouvir os homens a ler. O meu avô lia, horrorosamente, e eu adorava ouvi-lo ler, é a voz que tenho ainda hoje no ouvido, aquela voz monótona, monocórdica... Os contos de fadas hoje ainda me soam naquela voz", referiu. E como lhe surgiu o interesse pela escrita? "Como uma forma de me entreter a mim mesma, de inventar outros mundos, de sobreviver, de fugir à monotonia", resumiu.
Quando "A Malta do 2º C" foi distinguido com o prémio acima referido, Catarina Fonseca admite que ficou surpreendida, porque nunca se está à espera de prémios. "Mas foi muito bem-vindo, porque gostamos sempre de ver o nosso trabalho reconhecido. Até aí, não tinha a consciência de que alguém me lia, de facto. Escrevia para mim - ainda hoje escrevo para mim. E isso apareceu como um choque porque percebei que tinha havido alguém que tinha lido livro", explicou. "Sou terrivelmente egoísta, escrevo os livros que gostava de ler, não penso no leitor, não penso nos outros, se vão gostar ou não, não quero saber. Escrevo de uma forma absolutamente lúdica, é como fazer tricot ou como quando brincava às casinhas quando era pequena", reconheceu.
"As crianças são leitores muito atentos e muito abertos, leem de facto o que lhes interessa, fazem críticas, e não são nada avessas a dizer se gostaram ou não gostaram. Tenho muito a consciência disso e tenho muito respeito pelas pessoas para quem escrevo", afirmou, a propósito do trabalho desenvolvido na revista Visão Júnior. E, referindo-se à coabitação entre escrita jornalística e uma escrita mais imaginativa, Catarina Fonseca indicava: "Há um lado comum entre as duas que é eu tenho de fazer a felicidade daquela pessoa. Tenho de escrever qualquer coisa, mesmo enquanto jornalista, que também seja apelativa, não pode ser aquele jornalismo curto e grosso como se fazia há uns tempos", apontava, distinguindo a sua escrita para revista como "mais imaginativa, mais apelativa, mais relaxada".
Nos livros, as suas preferências estavam bem definidas. "Uma das coisas que gosto mais de fazer é surpreender as pessoas, sentir que não estavam à espera daquilo." Sobre outro livro seu premiado, "A Herança", a autora contou que era inspirado nas suas tias. "Tenho toneladas de tidas", justificava com humor, "e elas davam muito essa ar descontraído à família, eram pessoas que faziam imensas coisas, estavam em casa e passeavam, viajavam, e eram muito sensatas, muito determinadas, mulheres habituadas a tratar de tudo - da vida, da casa, dos filhos, dos maridos - e a determinação é muito cómica, porque quanto mais queremos dominar o mundo, mais se torna aparente que ele não quer ser controlado por nós e esse contraste é muito cómico e foi isso que tentei pôr um bocadinho aí nesse livro, história de uma tia que herda sete gatos e depois vai à procura de uma rapariga pequenina que elas não sabem se existe."
De "Adeus, Al Capone", traduzido para búlgaro com o apoio do Instituto Camões, Catarina Fonseca indicou: "É um pouco a história dos rituais de crescimento de uma criança que vive numa família grande com cinco irmãos. E esta é a história da relação de um miúdo com os irmãos e da maneira como essa relação vai mudando à medida que ele cresce." Quanto a aspetos autobiográficos das suas obras, a escritora reconhecia que "a maior fonte de inspiração é o álbum de família". E recordava: "Quando era pequena passava horas em casa das minhas avós - uma, deixava-me fazer tudo e eu mascarava-me com uma série de roupas que ela tinha e andava pela casa fora assim; a outra era muito de regras, muito disciplinada, e eu passava horas na sala dela, sentada num sofá que me picava as pernas, a virar as páginas dos álbuns de família. Tanto uma como outra contribuíram um pouco para eu perceber como é que as histórias são feitas e que são feitas de pessoas e que há um manancial de material dentro da nossa própria família."
"O Clube das Encalhadas" era, à altura, o mais recente e Catarina Fonseca sintetizou perante a entrevistadora o que pretendera com a obra. "Já estava farta de ouvir os meus amigos dizerem-me que escrevia livros demasiado difíceis e então decidi escrever um onde coubesse tudo - gosto muito de escrever e contar histórias, gosto muito de voltar ao passado, gosto muito do tempo presente, e o desafio que senti foi como é que posso criar uma teia suficientemente maleável que me permita contar tudo aquilo que quiser, ir e vir do presente para o passado, do cómico para o trágico, do alegre para o infeliz, das pessoas que conheço para as que não conheço e isso foi muito divertido."
Editorial Caminho
"Um escritor faz-se, acima de tudo, sendo leitor - ninguém é escritor se não for leitor", defendeu Catarina Fonseca em 2006 na RTP.
Catarina Fonseca tinha em casa dois exemplos para se inspirar da melhor forma, uma vez que é filha da jornalista e escritora Alice Vieira e de Mário Castrim, crítico de televisão que também fez da escrita o centro da sua atividade profissional. "O que o meu pai sempre me ensinou foi que o mais importante não é ler - é reler, porque depois de o livro estar feito dá muitíssimo mais trabalho rever o livro, corrigir, apagar, voltar a escrever, dizer de outra maneira, acrescentar, retirar, do que propriamente o trabalho que eu tive a escrevê-lo", lembrou na citada entrevista de 2006 à RTP. "Mas, depois de estar pronto, é raríssimo voltar a lê-lo."
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