Prémio Nobel da Literatura em 2018 que teve atribuição só em 2019, Olga Tokarczuk é a convidada de hoje na leitura que Agostinho Costa Sousa apresenta de "Viagens".
A revista The New Yorker não teve dúvidas acerca do trabalho literário de Olga Tokarczuk no livro "Viagens": "A perspicácia da sua visão transforma o mundo, assim como o seu livro altera as formas convencionais de escrita." A polaca vem da cidade de Sulechów, onde nasceu a 29 de janeiro de 1962, embora parte importante da sua infância e adolescência tenha sido passada em Kietrz, próxima da fronteira com a então Checoslováquia. Fascinada por Carl Jung, é formada em Psicologia pela Universidade de Varsóvia e trabalhou em várias clínicas, não só enquanto estudava, mas já depois de se licenciar. "Deixei essa área depois de trabalhar com uma paciente e perceber que era muito mais perturbada do que ela", confessou numa entrevista ao The Guardian, em abril de 2018.
Os primeiros escritos remontam à década de 70, ainda sob o pseudónimo de Natasza Borodin, mas apenas se estreou a publicar com uma obra de poesia, "Miasta w Lustraché" (Cidade em Espelho), em 1989. No entanto, não iria limitar-se a esse género e, nos livros que se seguiram, entrou no território do romance: "A Viagem das Pessoas-Livros" (1993) e "Prawiek i inne czasy" (Primitivo e Outros Tempos), de 1996, este o primeiro êxito de vendas. Entretanto, casou-se com um psicólogo e foi mãe de um rapaz.
Viajou muito, de Taiwan à Nova Zelândia, continuando a escrever. "Viagens", de que hoje Agostinho Costa Sousa aqui apresenta um trecho, e "Conduz o teu Arado sobre os Ossos dos Mortos", únicos publicados em Portugal, são outros livros da sua autoria, este último adaptado ao cinema pela compatriota Agnieszka Holland sob o título "Spoor" (podem ver aqui a apresentação) e premiado no Festival de Berlim com o Urso de Prata. Mas uma agência de notícias polaca classificou a película como "um trabalho profundamente anticristão e promotor do ecoterrorismo". A escritora explicou-o de outro modo na entrevista mencionada acima: "Escrever um livro como este só para saber quem é o assassino é desperdiçar tempo e papel. Por isso, resolvi acrescentar direitos dos animais e cidadãos dissidentes que se apercebem da imoralidade da lei e tentam ver até onde conseguem chegar com a sua contestação", referiu. Começando logo pelo título, o livro está recheado de referências à poesia de William Blake.
Uma outra faceta de Olga Tokarczuk é a defesa de causas (feminismo, animais, ecologia, direitos LGBT+), mas também a denúncia da colaboração polaca com perseguições nazis aos judeus. Conforme recorda o diário inglês, na obra "Os Livros de Jacob", um épico histórico com 900 páginas que vendeu mais de 150 mil exemplares, é abordada a conversão forçada de judeus ao catolicismo no século XVII. A autora foi entrevistada na televisão e falou sobre os "terríveis atos de colonização" que manchavam a História do país. Esta situação colocou-a sob a mira da extrema-direita na Polónia, chamaram-lhe "targowiczanin" (traidora) e a sua editora foi mesmo forçada a contratar guarda-costas, perante o número crescente de ameaças à vida da escritora. No ano passado, o seu nome foi anunciado ao lado do de Peter Handke como vencedores do Nobel da Literatura, depois de, em 2018, o prémio ser suspenso na sequência do escândalo com abusos sexuais e apostas ilegais que atingiu Jean-Claude Arnault, casado com Katarina Frostenson, que deixou a Academia sueca depois do sucedido.
Tokarczuk tem conjugado a atividade da escrita literária com aulas sobre esta área que dá na Universidade de Cracóvia. Foi a sexta a vencer o Nobel da Literatura na Polónia e a segunda mulher, depois de Wislawa Szymborska (1996). A 23 de abril do ano passado, Dia Mundial do Livro, foi aqui referida no Especial que englobou ainda outras vencedoras do Nobel da Literatura: Svetlana Alexievich (2015), Alice Munro (2013) e Herta Müller (2009). Nessa altura também li um excerto do livro "Viagens".
Cavalo de Ferro/Tradução de Teresa Fernandes
Segundo o diário The Guardian, a obra "Viagens" 'tem ecos de W. G. Sebald, Milan Kundera, Danilo Kiš e Dubravka Ugrešic, mas Tokarczuk domina um registo, rebelde e habilidoso, muito seu'.
Agostinho Costa Sousa reside em Espinho e socorre-se da frase de Antón Tchekhov: "A medicina é a minha mulher legítima, a literatura é ilegítima" para se apresentar. "A Arquitetura é a minha mulher legítima, a Leitura é uma das ilegítimas", refere. Estreou-se a ler por aqui a 9 de maio com "A Neve Caindo sobre os Cedros", de David Guterson, seguindo-se "As Cidades Invisíveis", de Italo Calvino, a 16 do mesmo mês, mas também leituras de obras de Manuel de Lima e Alexandra Lucas Coelho a 31 de maio. "Histórias para Uma Noite de Calmaria", de Tonino Guerra, foi a sua escolha no dia 4 de junho. No passado dia 25 de julho, a sua escolha recaiu em "Veneno e Sombra e Adeus", de Javier Marías, seguindo-se "Zadig ou o Destino", de Voltaire, a 28. O regresso processou-se a 6 de setembro, com "As Velas Ardem Até ao Fim", de Sándor Márai. Seguiram-se "Histórias de Cronópios e de Famas", de Julio Cortázar, no dia 8; "As Palavras Andantes", de Eduardo Galeano, a 11; "Um Copo de Cólera", de Raduan Nassar, a 14; e "Um Amor", de Sara Mesa, no dia 16. A 19 de setembro, a leitura escolhida foi "Ajudar a Estender Pontes", de Julio Cortázar. A 17 de outubro, a proposta centrou-se na poesia de José Carlos Barros com três poemas do livro "Penélope Escreve a Ulisses". Três dias mais tarde leu três poemas inseridos na obra "A Axila de Egon Schiele", de André Tecedeiro. A 29 do mês passado apresentou "Inquérito à Arquitetura Popular Angolana", de José Tolentino de Mendonça. De dia 1 é a leitura "Trieste", escrito pela croata Dasa Drndic e, no dia 3, a proposta foi um trecho do livro "Civilizações", escrito por Laurent Binet.
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