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Paulo Jorge Pereira

Daniela Gonçalves lê "Ressurreição", de Liev Tolstoi

Publicado em 1899, "Ressurreição" foi o último livro de Tolstoi e é a escolha de Daniela Gonçalves para leitura de um excerto. O autor de obras como "Anna Karenina", "Guerra e Paz", "A Morte de Ivan Ilitch" ou "Contos de Sebastopol" é um dos mais famosos escritores russos e da Literatura mundial.



"O Estado é uma conspiração desenhada não somente para explorar, mas acima de tudo para corromper os seus cidadãos. De agora em diante, eu jamais servirei um governo seja em que lugar for": as frases são de Tolstoi, foram escritas na carta que dirigiu a um amigo depois de assistir a uma execução pública em Paris e traduzem a transformação do escritor num anarquista e pacifista que seria inclusive uma influência para Gandhi, de quem recebeu pedidos de aconselhamento. Mas esta foi uma fase mais adiantada da sua vida, muito depois de ter passado pelo Exército, participando como tenente nas guerras do Cáucaso e no conflito da Crimeia.

Liev Nikolayevich Tolstoi nasceu a 9 de setembro de 1828 em Yasnaya Polyana, propriedade de uma família da aristocracia com origem na Lituânia (era o quarto dos cinco filhos dos condes de Tolstoi), mas ficou órfão ainda muito jovem e foi uma tia, a condessa Alieksandra Osten-Sacken, quem começou por cuidar dele e dos quatro irmãos. Contudo, a condessa morreria muito jovem (35 anos) em 1841 e outra irmã do pai, Pielagueia, que vivia em Kazan, passou a encarregar-se dos sobrinhos. Com todas estas oscilações, a vida estudantil de Tolstoi foi atribulada e o futuro escritor abandonaria mesmo as faculdades de Direito e Letras da Universidade de Kazan. A má relação com a tia aprofundava-se e, em 1847, Tolstoi voltou para a propriedade dos pais. Perante o cenário desolador de abandono das terras, o jovem tornou a viajar, rumando a Moscovo e, mais tarde, a São Petersburgo. Voltou a tentar Direito, mas sem grande convicção, especializando-se na boémia e não nos estudos, pelo que o regresso a Yasnaya Polyana se tornou o caminho escolhido. Leu a Bíblia e obras de Jean-Jacques Rousseau e, em 1851, juntou-se ao irmão como soldado no Cáucaso, revelando coragem e, dessa forma, assegurando o reconhecimento à sua volta. Em janeiro de 1852 é admitido no Exército depois de prestar provas e por esta altura escreve os primeiros trabalhos literários.

Entre 1852 e 1856, publicou obras de caráter autobiográfico - "Infância", "Adolescência" e "Juventude". Combate na guerra da Crimeia e causa a emoção da rainha Maria Alexándrovna com a publicação de "Crónicas de Sebastopol", levando a monarca a elogiá-lo junto do marido, o Czar Alexandre II, que nomeia Tolstoi para comandante de uma companhia na Crimeia. Depois do conflito, o escritor volta para São Petersburgo em 1856 e tem o acolhimento de um ídolo, mas isso deixa-o incomodado e faz com que regresse outra vez à propriedade dos pais. Viaja pela Europa em 1857 e 1860 - França, Bélgica, Suíça, Alemanha, Itália e Inglaterra -, ganhando a influência do estilo de Victor Hugo e dos ideais anarquistas, em especial através de Proudhon. Ligados ao movimento do Realismo, os seus livros assumem-se como espelhos da vida em sociedade e "Cossacos", publicado em 1863, mostra como estes viviam. Antes, em 1859, publicara "Felicidade Conjugal" e criara uma escola para os filhos dos camponeses na propriedade. Em 1862, casara-se com Sophia Andreevna Behrs, de quem teve 13 filhos.

Prosseguiu a escrita e as duas obras que ganharam maior dimensão no panorama da Literatura universal foram "Guerra e Paz", baseada nas invasões napoleónicas na Rússia e na vida de cinco famílias da aristocracia russa e publicada em 1869, sete anos depois de Tolstoi a iniciar, e "Anna Karenina", com uma das mais magistrais personagens femininas da Literatura no epicentro de uma história de adultério e hipocrisia social que termina em tragédia (1877). Em ambos os casos foram feitas diversas adaptações para diferentes meios. "Guerra e Paz" conquistou audiências como filme logo em 1915, embora a mais famosa adaptação seja o épico de 1956, com realização de King Vidor e tendo Audrey Hepburn, Henry Fonda, Mel Ferrer, Anita Ekberg e Vittorio Gassman nos principais desempenhos.





Em 1967, Sergei Bondarchuk dirigiu a versão russa com mais de 120 mil figurantes e que recebeu o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro.



Muito mais recente (2016) é a série televisiva, mas já havia duas outras: uma da BBC em 1972, com Anthony Hopkins a liderar o elenco; outra de 2007, uma minissérie de quatro episódios que foi coprodução entre franceses e italianos. Além disso, "Guerra e Paz" foi ópera de Sergei Prokofiev, mas também peça de teatro, de rádio e série televisiva.

No caso de Anna Karenina, Greta Garbo protagonizou o filme de 1935, depois de o ter feito em 1927, ainda no tempo do cinema mudo.


Em 1948 foi a vez de Vivien Leigh assumir o papel.



De 1967 é o filme russo com Tatyana Samoylova como Anna Karenina. A atriz morreria em Moscovo a 4 de maio de 2014, precisamente o dia em que completava 80 anos.


Três dezenas de anos mais tarde, a francesa Sophie Marceau seria dirigida pelo britânico Bernard Rose para uma nova versão.



A última adaptação teve Joe Wright, que dirigiu filmes como "Expiação" e "Orgulho e Preconceito", no papel de realizador e Keira Knightley como heroína, ao lado de Jude Law, Aaron Johnson e Alicia Vikander em 2012.



Depois destes dois livros imortais, Tolstoi publicaria outra obra extraordinária: "A Morte de Ivan Ilitch" (inúmeras vezes adaptada ao teatro), na qual tece críticas à hipocrisia que se vive entre os que dispõem de mais meios económicos. Refletindo sobre o sentido da vida, Tolstoi não encontrou as respostas que procurava, afastou-se da igreja ortodoxa (seria excomungado em 1901) e optou por um estilo de vida austero nos seus últimos anos, afirmando que "a origem do mal é a propriedade". O relacionamento com a mulher sofre sucessivos abalos, aumentados com a morte de três filhos em pouco tempo. Deixou de beber e de fumar, quis ser vegetariano, vestir-se como camponês e entregar os seus bens aos mais desfavorecidos, mas a mulher e os filhos não o permitiram. O afastamento da família ganha um novo enquadramento quando, a 31 de outubro de 1910, já com 82 anos, decide entrar num mosteiro e foge de comboio, por entre um Inverno rigoroso, com Alexandra, a filha mais nova. O frio intenso debilita-lhe o estado de saúde e Tolstoi é forçado a sair na estação de Astapovo para receber cuidados médicos. Apesar dos esforços, contrai uma pneumonia que será fatal a 20 de novembro de 1910. O filme "A Última Estação", coprodução russa, britânica e alemã de 2009 que conta com a realização de Michael Hoffman e as interpretações de Christopher Plummer, Helen Mirren, James McAvoy, Paul Giamatti, inspira-se na parte final da vida de Tolstoi.

Escrevera ainda dezenas de livros de caráter não-ficcional, contos e uma cartilha escolar. Com Dostoievski, Tchekhov, Gorki e Turgueniev, Tolstoi integra o restrito grupo de escritores que se tornaram os mais destacados do século XIX na Rússia e, desse modo, entraram no espaço reservado aos nomes maiores da Literatura universal. Em "Ressurreição", o escritor tira partido dos dados recolhidos na conversa com o mesmo jurista que transmitira indicações a Dostoievski e este usara na obra "Os Irmãos Karamazov" - no caso de Tolstoi, as informações permitiram-lhe ser rigoroso no modo como ilustra e demonstra as injustiças cometidas em nome da Justiça.


Editorial Presença

"Dois minutos depois saía da porta, numa passada enérgica, uma mulher jovem, de pequena estatura, peito muito cheio, com uma bata cinzenta por cima da blusa e da saia brancas; virou-se rapidamente e parou ao lado do carcereiro", escreve Tolstoi em "Ressurreição".

Daniela Gonçalves é licenciada em Comunicação Social com uma pós-graduação em Cibersegurança e mestrado em Relações Internacionais. Tem experiências diversificadas no plano profissional, seja na imprensa (Diário de Coimbra), rádio (TSF) ou televisão (RTP). Mas o seu percurso passou ainda por assessoria de comunicação na Ordem dos Médicos e na representação do Parlamento Europeu em Portugal, ao abrigo do Plano Schumman. Na atualidade desenvolve esforços em Comunicação e Marketing Digital, que iniciou numa startup, "desenvolvida em conjunto com dois colegas - uma plataforma digital para otimizar o trabalho dos jornalistas nas redações -, estando a trabalhar numa empresa de media digital, que permite a criadores audiovisuais em todo o mundo venderem os seus conteúdos, a Glymt". Paixões? "Cultura, Jornalismo, União Europeia, café e tecnologias – não necessariamente por esta ordem", responde.


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