Neste Especial dedicado ao centenário do Nobel da Literatura em 1998, aqui regressa Jet Vos, terceira classificada no Concurso Nacional de Leitura, com um trecho da obra "O Ano da Morte de Ricardo Reis", de José Saramago.
José Saramago publicou "O Ano da Morte de Ricardo Reis" em 1984. A ação está situada entre dezembro de 1935 e setembro de 1936, período de consolidação do fascismo e da ditadura de Salazar em Portugal. Mas não só - esta é uma oportunidade para revisitar o que se passou em solo europeu por essa altura: a Guerra Civil em Espanha; a afirmação de Hitler no poder e a disseminação das propostas nazis na Alemanha; Mussolini, a brutalidade e os assassínios dos seus camisas negras em Itália. Entretanto, o heterónimo de Fernando Pessoa visita a campa do poeta, morto a 30 de novembro de 1935. Torna-se inevitável a viagem pelo complexo universo pessoano, bem como por essa Lisboa antiga e, em tantos casos, já desaparecida. E não faltam sequer histórias de amor para que o romance tenha uma amplitude ainda maior.
Serralheiro mecânico, desenhador, administrativo, tradutor, editor, jornalista, argumentista - bem pode dizer-se que José Saramago foi um homem dos sete ofícios. Desenvolveu o gosto pela leitura na Biblioteca do Palácio Galveias, mas só nos anos 80 passou a viver do trabalho como escritor. O cinema também se interessou pelos seus livros como o exemplificam as adaptações d'"A Jangada de Pedra (2002), "Ensaio sobre a Cegueira" (2008) ou "O Homem Duplicado" (2014). Nascido na Azinhaga a 16 de novembro de 1922, morreu a 18 de junho de 2010. Comunista até ao fim.
Com "Levantado do Chão", em 1980, Saramago traçara o retrato das enormes desigualdades e da exploração dos mais desfavorecidos pelos mais ricos no Alentejo durante a ditadura e até à Revolução do 25 de Abril. Sobre esta obra, o próprio autor escreveria: "Um escritor é um homem como os outros: sonha. E o meu sonho foi o de poder dizer deste livro, quando terminasse: 'Isto é um livro sobre o Alentejo'. Um livro, um simples romance, gentes, conflitos, alguns amores, muitos sacrifícios e grandes fomes, as vitórias e os desastres, a aprendizagem da transformação, e mortes. É portanto um livro que quis aproximar-se da vida, e essa seria a sua mais merecida explicação". De 1982 vem o seu primeiro grande sucesso com a publicação de "Memorial do Convento", mas outros livros seus foram merecendo elogios: "O Ano da Morte de Ricardo Reis" (1984), "A Jangada de Pedra" (1986) e "História do Cerco de Lisboa" (1989) são só alguns exemplos.
Se já era objeto de admiração em Portugal e pelo mundo fora, os seus livros ganharam dimensão universal após o Nobel, recebido em 1998. Antes, porém, em abril de 1992, foi alvo de Sousa Lara, então subsecretário de Estado da Cultura no Governo de Cavaco Silva, que retirou "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", muito atacado pela Igreja Católica, da lista de candidatos a um galardão literário europeu. No ano seguinte, o escritor, casado com a jornalista Pilar del Río desde 1988, cortou relações com o poder político e fixou residência na ilha espanhola de Lanzarote. Só em 2004, com Durão Barroso como chefe do Governo, o assunto foi superado. Três anos mais tarde, nasceu a Fundação José Saramago (desde 2012 tem sede na Casa dos Bicos, em Lisboa), dedicada à promoção da Literatura, mas também a defender valores como os Direitos Humanos e o ambiente. Controverso e muitas vezes criticado pelas posições assumidas, Saramago distribuiu o trabalho literário por romances, contos, crónicas, teatro, poesia, viagens, memórias e livros para crianças.
"Cadernos de Lanzarote II" foi a obra escolhida por Elisabete Jesus para apresentar um trecho de um livro de José Saramago a 29 de setembro de 2020, mas já havia outros exemplos: a primeira aconteceu quando li um excerto da obra "Levantado do Chão", a 20 de abril; a 11 de junho, pela voz do jornalista Ricardo Figueira, surgiu "Caim"; "O Ano da Morte de Ricardo Reis" teve aqui uma presença inicial quando a estudante Jet Vos, terceira classificada no Concurso Nacional de Leitura, apresentou um trecho, a 29 de agosto; depois da leitura de setembro referida em cima, a 30 de dezembro li uma passagem da obra "Memorial do Convento". De 20 de janeiro de 2021 foi a minha leitura de um pouco do livro "História do Cerco de Lisboa". E "O Ano da Morte de Ricardo Reis" regressou quando li um trecho a 5 de fevereiro.
Quanto a Pessoa e aos seus heterónimos, também já foram objeto de leituras aqui no blog - aqui ficam alguns exemplos: "Livro do Desassossego", assinado por Bernardo Soares, chegou aqui a 9 de abril de 2020; "A Espantosa Realidade das Coisas", de Alberto Caeiro, teve leitura de Sandra Escudeiro a 15 de junho e, exatamente um mês mais tarde, Armando Liguori Junior apresentou "Se Te Queres Matar, Porque Não Te Queres Matar?", de Álvaro de Campos.
Editorial Caminho
"Aqui o mar acaba e a terra principia. Chove sobre a cidade pálida, as águas do rio correm turvas de barro, há cheia nas lezírias": assim começa "O Ano da Morte de Ricardo Reis".
Aluna no 12º ano da Escola Secundária Manuel da Fonseca, em Santiago do Cacém, Jet Vos foi terceira classificada no Concurso Nacional de Leitura em 2020, mas hoje é estudante na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa. Pelo talento que aqui demonstra, percebe-se bem por que razão obteve aquela classificação e adquiriu um novo estatuto. Neste registo, não se trata apenas de ler, mas também de dramatizar a obra de José Saramago. Fica o agradecimento à escritora Ana Zorrinho por convidar Jet Vos a encantar-nos com a sua leitura.
Komentáře