O professor Luís Gonçalves estreia-se hoje nas leituras por aqui com a proposta de um excerto do livro da jornalista turca Ece Temelkuran intitulado "Como Perder um País". O subtítulo, "Os Sete Passos da Democracia à Ditadura", ilustra bem não só a situação do seu país sob o regime de Erdogan, mas exemplos que podem ser encontrados pelo mundo fora como aquilo que se passou com o Brexit ou a eleição de Trump.
Jornalista destemida, analista atenta e rigorosa do panorama político mundial dos últimos anos, Ece Temelkuran nasceu na cidade turca de Esmirna, a 22 de julho de 1973. Licenciada em Direito na Universidade de Ancara, multipremiada pelo seu trabalho, que tem sido divulgado em publicações como The Guardian, The New York Times, Le Monde Diplomatique, New Statesman, Frankfurter Allgemeine Zeitung ou Der Spiegel, a jornalista escreveu para a Millyet, entre 2000 e 2009, mas também para o Habertürk (de 2009 a janeiro de 2012) e na televisão desta última publicação. Acabaria despedida por causa de artigos seus que foram críticos do regime de Erdogan, sobretudo aquele em que relatava as atrocidades no massacre de Uludere.
Teve, então, de procurar exílio em Zagreb, dedicando-se não só a escrever artigos para diferentes meios de comunicação europeus, mas também a publicar livros e a apreentar palestras sobre a sua obra à escala mundial.
Numa sessão obre a obra na livraria Politics and Prose, em Washington, a 31 de maio de 2019, a autora afirmou: "Vocês têm muita sorte, têm Trump, alguém cujo comportamento é óbvio - há 17 anos, quando Erdogan chegou ao poder na Turquia, poucos poderiam adivinhar que algo de estranho iria acontecer à democracia. Gente que mente, cria verdades alternativas, apresenta-se como se fosse representado pelo povo real e exige respeito. A verdade é que não percebemos, até gozámos com o assunto, pensámos que seria passageiro, mas tudo se agravou com o decorrer do tempo. E, enquanto nos davam lições vindas do mundo ocidental, os Estados Unidos elegeram Trump: por isso digo que têm sorte, pelo menos assim não vai haver intelectuais que vos apresentem lições sobre o populismo."
Apaixonada pela temática dos Direitos Humanos e do Jornalismo, em 2006 publicou
"Ne Anlatayım Ben Sana!", mais tarde publicado em inglês sob o título de "What am I Going to Tell You!"), uma abordagem aos movimentos de greve de fome protagonizados por prisioneiros políticos na Turquia. Por esta obra receberia o Prémio de Direitos Humanos do seu país, designado como Ayşe Zarakolu Freedom of Thought Award no ano de 2008.
Sobre o conceito de pós-verdade que tanto tem sido publicitado, sobretudo a partir do Brexit, a jornalista contestou que seja uma realidade dos tempos atuais e sim uma produção que vem dos anos 80 "quando dividimos a verdade entre a nossa e a dos derrotados, a moral maioritária do neoliberalismo transformou-nos nestas pessoas indiferentes à dor diária em diferentes pontos do mundo, não temos energia, nem tempo, para sentir que esta é a nossa verdade. E esta falta de vergonha começou na primeira guerra do Golfo", situou.
No passado mês de dezembro, em entrevista à Visão a propósito da publicação do seu livro "Unidos", admitia que ainda estávamos a tempo de escolher um mundo diferente. E alertava: "Os populismos de extrema-direita são muito hábeis a manipular essa política das emoções, o que é outra forma de dizer e de manipular as emoções das massas." Mais: "Se esperarmos que o fascismo se instale, como aconteceu antes da II Guerra Mundial, depois será demasiado tarde para agir."
Além dos títulos já mencionados, entre a obra publicada estão "Book of the Edge" e "Deep Mountain, Across the Turkish-Armenian Divide" (ambos de 2010, embora este último tenha sido o resultado do seu trabalho de pós-doutoramento no Reuters Institute para o Estudo do Jornalismo), "Turkey: the Insane and the Melancholy" (2015), "Women who Blow on Knots" (2017), "Time of Mute Swans" (também de 2017) e, já depois da obra que Luís Gonçalves hoje aqui apresenta, "Unidos: 10 Escolhas para um Presente Melhor" (2021). De 2010, embora sem tradução para inglês ou português, é ainda "Muz Sesleri" ou "Banana Sounds". A autora foi casada com Metin Solmaz, de 1996 a 1998, e com o também jornalista Özgür Mumcu (Cumhuriyet), entre 2007 e 2009.
Considerando na referida entrevista que "as pessoas estão zangadas por causa das injustiças sociais, mas também porque, por vezes, parece que vivemos numa tempestade perfeita, sobretudo nos dois últimos anos - pandemia, alterações climáticas, autoritarismo", Temelkuran sintetizava: "São demasiados medos ao mesmo tempo."
E terminava a entrevista com uma frase memorável e premonitória face ao que está a acontecer com a bárbara agressão da Rússia à Ucrânia: " A defesa da dignidade individual e coletiva é a bandeira que pode unir-nos rumo a um mundo diferente."
Círculo de Leitores - Temas e Debates/Tradução de Luís Oliveira Santos
Quando o livro de Temelkuran foi publicado, em 2019, Margaret Atwood escreveu no Twitter: "Esta obra é essencial. A autora é uma das mais atentas e rigorosas analistas acerca do crescimento furtivo do fascismo."
Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas e mestre em Gestão da Formação e Administração Educacional pela Universidade de Coimbra, Luís Gonçalves é professor do Ensino Básico no Agrupamento de Escolas Infante D. Pedro, em Penela, formador de Professores e Embaixador eTwinning/DGE para a Região Centro.
Iniciou a sua carreia docente em França, num projeto do Ministério da Educação, tendo dado continuidade à elaboração, aplicação e avaliação de projetos internacionais nas Escolas Públicas onde tem lecionado.
Fez parte do Grupo de Trabalho que elaborou a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania e é Consultor Científico para a sua operacionalização na Direção Regional de Educação dos Açores.
Gosta de viajar, de ler e de estar com pessoas, conversando sobre tudo e sobre nada. Ainda que viva em Coimbra desde os tempos da Universidade, não se esquece das suas raízes na pequena aldeia dos Vascos, na freguesia de Almagreira (Pombal), onde mantém fortes ligações. É fã de Astérix (sobretudo na sua versão original em francês), mas também de Chimamanda Ngozi Adichie, Haruki Murakami, Yuval Noah Harari ou dos clássicos portugueses como Florbela Espanca, Eça de Queirós, Stau Monteiro, Pessoa e Camões.
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