Escritora e jornalista carioca a viver na Alemanha, Luciana Rangel propõe a leitura de um poema do livro "Agora Vai ser Assim", escrito pelo compatriota Leonardo Tonus.
O multiculturalismo está por todo o lado na vida de Leonardo Tonus, professor na Universidade da Sorbonne, em Paris, há cerca de duas décadas. Filho de imigrantes, essa mistura começou por manifestar-se no bairro de São Judas, em São Paulo, onde viveu e conviveu com uma vizinhança muito variada em termos de origens. Ter dupla nacionalidade permitiu-lhe deixar o Brasil e rumar à Europa em 1988. Era então estudante de música e, para evoluir nesse campo, viajou para a Alemanha. Ao mesmo tempo, porém, o seu interesse abarcava o campo das letras, concentrando-se em alemão e latim, até porque eram determinantes para o trabalho que pretendia desenvolver como músico coral. Mas, quando foi viver para França, o epicentro do seu interesse passou a ser a literatura, assim evoluindo em vários graus formativos universitários nesse campo e com um apelo muito especial.
Quando trabalhei no jornal Contacto, um semanário em língua portuguesa no Luxemburgo, entrevistei Leonardo Tonus em março de 2018. Nessa altura, contou-me um pouco da sua experiência de vida no estrangeiro e acerca das suas origens, pois toda a sua vivência familiar tem marcas de expatriado. "Pelo lado do meu pai, sou neto de italianos que chegaram ao Brasil nos anos 20 e tenho dupla nacionalidade; por parte da minha mãe, tenho ascendência portuguesa, vinda ao Brasil no começo do século XX. Uma parte de África, Angola e São Tomé e Príncipe, e uma parte da região de Trás-os-Montes. E essa experiência é importante porque se tornou também fruto da minha pesquisa", referiu.
Por outro lado, "a chegada é uma história comum aos expatriados – a primeira grande dificuldade é linguística. Durante seis a oito meses não tive contacto com a comunidade lusófona, embora esta fosse numerosa, porque vivi na Bretanha, até chegar à universidade. Vivia-se noutra época, sem Internet nem telemóveis, as comunicações levavam muito tempo e por telefone era quase impossível", descreveu. Seria condecorado pelo Governo francês, mas quando chegou, em 1988, teve de superar naturais dificuldades. "Foi um acaso no meu percurso pessoal e profissional", contou. "Tenho um mestrado em composição, regência coral e orquestral e um dos meus objetivos, quando decidi sair do Brasil e instalar-me na Europa, era aperfeiçoar-me no campo musical, voltado para os países germânicos porque tive formação em Germânicas no Brasil. Mas há acasos na vida que levam a que nos instalemos num país completamente diferente e isso sucedeu comigo", lembrou.
Muitos anos depois, por influência da homenagem que a França fez ao Brasil em 2005, este professor brasileiro na Sorbonne pensara em criar um movimento e daqui nasceu a Primavera Literária Brasileira. "Recebi autores brasileiros e portugueses desde essa altura em sala de aula com o intuito de divulgar a literatura mais recente e como atividade pedagógica para que os estudantes se interessassem por ela. Com o aumento dessas visitas e uma dinâmica própria, decidi em 2014 realizar uma semana do Brasil na universidade, convidando alguns autores. Houve boa receção dos estudantes e, então, criei o chamado Festival ou Primavera Literária com um formato pedagógico em parceria com os estudantes e em prol deles, pois participam na organização, na escolha e no acompanhamento dos autores, deixando uma atitude passiva", relatou na entrevista.
Leonardo interessou-se sempre pelo âmbito da imigração: "Desde o meu mestrado, sobre a representação do imigrante na literatura brasileira. E agora defendi a minha livre docência, mais uma vez, sobre questões migratórias, mais voltado para os anos 80 e para o processo de transição democrático", recordou.
Nesta pesquisa foi formando ideias sobre a imigração lusófona na Europa. "Sofreu um grande trauma que é pouco verbalizado." E explicou-se: "Na literatura fala-se pouco desta questão. Alguns filmes acabam por trabalhar o assunto, embora de um modo mais estereotipado como na Gaiola Dourada, um filme de grande sucesso, mas sublinhando alguns estereótipos sem abordar a memória traumática que perpassa não só a primeira geração como até à terceira. Isso encontro muitas vezes nos estudantes que têm dificuldade de se situar entre França e Portugal. Na Alemanha também acontece assim. Não é que isso tenha dado origem a guetos, mas vejo um certo silenciamento, talvez por pudor também, dessa comunidade que fala pouco do processo traumático", indicou.
Tonus faz parte de conselhos editoriais em várias revistas internacionais. De 2015 é a sua participação como curador na área francesa do Salão do Livro de Paris e, no ano seguinte, da exposição Oswald de Andrade: Passeur Anthropophage no Centre Georges Pompidou, em Paris. Além de textos de análise dedicados a autores brasileiros, o professor da Sorbonne tem trabalhado na coordenação de projetos como os ensaios inéditos do polaco Samuel Rawet (editora Civilização Brasileira) ou antologias como "La Littérature Brésilienne Contemporaine – Spécial Salon du Livre de Paris 2015" (Revista Pessoa) e "Olhar Paris" e "Escrever Berlim", nos dois casos para a Editora Nós, respetivamente em 2016 e 2017.
Em 2019 publicou "Inquietações em Tempos de Insónia".
Editora Nós
Leonardo Tonus é professor universitário na Sorbonne e tem desenvolvido uma série de interesses e iniciativas literárias, além de se dedicar à escrita.
Luciana Rangel é jornalista e escritora carioca. Mora na Alemanha desde 2005. Em sua trajetória, soma experiência na imprensa internacional e nacional. Suas produções sobre história, política e cultura foram premiadas pela União Europeia e pela TV Globo. Recebeu também o Prémio Petrobras pelo documentário "Brasil: País da Saudade". Como autora, participou em antologias, pela editora Bübül Verlag e Nós, e do Salão de Outono do Teatro Maxim-Gorki de Berlim. É doutoranda do Instituto Latino-Americano da Universidade de Bielefeld. Em dezembro de 2020, lançou o seu primeiro livro pela editora Folhas de Relva, "Está (Quase) Tudo Bem", que será publicado pela editora alemã Hagebutte Verlag no próximo mês de abril e do qual já leu aqui um excerto.
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