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Paulo Jorge Pereira

Maisa Barbosa lê "Todas as Crónicas", de Clarice Lispector

Aqui se recupera uma proposta de leitura apresentada por Maisa Barbosa com um trecho do livro "Todas as Crónicas", que reúne as crónicas publicadas por Clarice Lispector na imprensa brasileira entre 1967 e 1977.



O aviso é feito logo no prefácio pela escritora Marina Colasanti: "Clarice escrevia como se fosse uma colcha de retalhos." O livro "Todas as Crónicas", cuja leitura de um excerto é aqui apresentada por Maisa Barbosa, reúne as crónicas publicadas por Clarice Lispector na imprensa brasileira - Jornal do Brasil, Última Hora, O Jornal, Senhor e Joia - entre 1967 e 1977.



Porém, como existiam crónicas que eram desconhecidas, o trabalho do organizador desta obra, o escritor e fotógrafo Pedro Karp Vasquez, tornou-se ainda mais delicado, exigindo não só muito tempo de pesquisa, mas também a paciência e o temperamento meticuloso de um dedicado investigador. Parte substancial das crónicas mostra uma Clarice Lispector não apenas preocupada, mas extremamente crítica com as delicadas condições sociais que o Brasil apresentava no final dos anos 60.

Nascida na então República Popular da Ucrânia a 10 de dezembro de 1920, filha de pais judeus numa família que sofrera com as perseguições em massa (pogroms), o seu nome era Chaya Pinkhasovna Lispector. Dois anos depois seguiu com a família para o Brasil, onde vivia a sua tia materna, na fuga ao antissemitismo e à destruição causada pela guerra civil. Lá se tornou Clarice, cedo mostrando aptidões para a escrita. Desde os 13 anos que sentiu vontade de ser escritora (com sete anos já sabia ler e escrever). A infância fora agitada, com marcas de pobreza extrema e de perdas irreparáveis. De Maceió para o Recife e daqui para o Rio de Janeiro, por entre gritante instabilidade financeira da família, Clarice e as irmãs (Tania e Elisa) perderam a mãe, Mania Krimgold Lispector, para quem chegara a inventar jogos com frases, em 1930. Tentaria mais tarde atenuar os problemas de ordem económica na família ao dar explicações de Português e Matemática e tornou-se uma leitora persistente, admirando Machado de Assis, Dostoievski, Monteiro Lobato e Herman Hesse. Já escrevia e enviou mesmo contos para a secção infantil do Diário de Pernambuco, mas nunca teve direito a publicação.

Em 1940 morreu o pai, Pinkhas (que passara a ser Pedro no Brasil), numa fase em que Clarice era estudante universitária de Direito, trabalhava num escritório de advocacia e fazia traduções de textos científicos. Com a morte do pai, Elisa e Tania foram morar para casa de Elisa, já casada com William Kaufmann. Clarice estava saturada do seu emprego e, apesar da discriminação por ser mulher, foi à procura de acesso ao jornalismo, nessa altura sob controlo e censura do governo liderado por Getúlio Vargas. Visitou diversas redações, distribuiu os seus contos e, na revista Vamos Ler!, acabou por conseguir as primeiras publicações. Mais tarde, foi contratada para a Agência Nacional por Lourival Fontes, secretário do ministro da Propaganda. Aqui conhece e apaixona-se pelo escritor e jornalista Lúcio Cardoso, mas não é correspondida, uma vez que o mineiro era homossexual. O seu trabalho jornalístico vai crescendo, viaja, faz entrevistas e escreve reportagens, não deixa de escrever contos. Inicia uma relação que resultará em casamento, a 23 de janeiro de 1943, com Maury Gurgel Valente, seu colega em Direito e futuro diplomata.

Antes, em 1942, passa a escrever para o jornal A Noite, lê Espinosa, Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Manuel Bandeira e escreve "Perto do Coração Selvagem", obra de estreia que é publicada em dezembro do ano seguinte, altura em que Clarice e o marido se licenciam em Direito. O marido torna-se vice-cônsul e o casal instala-se em Belém a partir de janeiro de 1944, mas um ano mais tarde Maury Gurgel é indigitado para o consulado em Nápoles e ruma a Itália primeiro, ainda sem Clarice. A escritora só a 30 de julho começou uma viagem que a levaria a escalas na Libéria, Guiné-Bissau, Senegal, Portugal - onde conhece personalidades do meio literário como João Gaspar Simões, Natércia Freire e Maria Archer -, Marrocos e Argélia, chegando a Nápoles a 24 de agosto. Em Itália recebe a notícia de que o primeiro livro foi premiado e termina o segundo, intitulado "O Lustre", publicado em 1946. Regressa ao Brasil durante três meses como correio diplomático e, no início de março, o marido é transferido para Berna e a mulher acompanha-o.

Clarice combate as rotinas com a escrita de contos que vai publicando em jornais e renova leituras, descobrindo Simone de Beauvoir, Jean Cocteau e Henrik Ibsen. A 10 de agosto de 1948, é mãe pela primeira vez. Ao filho Pedro se juntará Paulo, nascido a 10 de fevereiro de 1953, numa altura em que Clarice e o marido vivem já em Washington face ao seu cargo de diplomata na capital norte-americana. Pelo meio publica "A Cidade Sitiada" (1949), mas a sua vida sofre um novo abalo quando é diagnosticada esquizofrenia ao filho mais velho. É num período em que se dedica por inteiro a levar Pedro aos médicos que decide divorciar-se, em 1959, voltando a viver no Brasil. Volta às traduções depois de uma longa interrupção. E, acima de tudo, escreve muito, em jornais e não só, também para exorcizar sentimentos de culpa com a doença de Pedro. Livros de contos como "Laços de Família" (1960) e "A Legião Estrangeira" (1964) ou romances: "A Maçã no Escuro" (1961) e "A Paixão segundo G.H." (1964).

Um cigarro esquecido aceso durante a noite provoca um incêndio em casa e, devido à gravidade das queimaduras, quase lhe causa a morte em setembro de 1966. A recuperação é dolorosa, mas Clarice dedica-se a escrever para os filhos "O Mistério do Coelho Pensante" (1967) e "A Mulher que Matou os Peixes" (1968) - mais tarde, a sua obra de literatura infantil incluirá "A Vida Íntima de Laura" (1974), "Quase de Verdade" (1978) e "Como Nasceram as Estrelas" (1987), os dois últimos em publicação póstuma. Mas também há inspiração para romances como "Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres" (1969) e "Água Viva" (1973) e livros de contos - "Onde Estivestes de Noite" e "Via Crucis" (ambos de 1974). Entretanto, agrava-se a esquizofrenia de Pedro para angústia de Clarice. Escreve mais, escreve ainda e sempre: "O Ovo e a Galinha" e "A Hora da Estrela", ambos de 1977. É, aliás, pouco depois da publicação deste último que descobre a doença: sofre de cancro num ovário em estado muito adiantado e com metástases espalhadas pelo corpo. Internada no hospital, morre na véspera de completar 57 anos, a 9 de dezembro de 1977. Mesmo assim, não cessam de ser publicados livros que deixou escritos como "Um Sopro de Vida" ou "A Bela e a Fera".

A obra de Clarice Lispector foi várias vezes abordada aqui no blog. Por exemplo, Inês Henriques apresentou-a em estreia a 27 de abril de 2020 com um excerto de "Perto do Coração Selvagem"; a professora universitária Stefania Chiarelli leu um pouco de "Felicidade Clandestina", que também voltou, a 9 de julho; Maisa Barbosa mostrou um trecho de "Todas as Crónicas" a 15 de agosto que hoje aqui está de volta; Sandra Escudeiro apresentou uma leitura de "Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres" a 2 de outubro; a 10 de dezembro, data do centenário do nascimento da escritora, Inês Henriques e Sandra Escudeiro juntaram-se no Especial dedicado a Clarice com um conto do livro "Felicidade Clandestina" e para a apresentação de dois fragmentos.


Editora Rocco


A obra "Todas as Crónicas", editada em 2018, é a sequência do trabalho que fora publicado três anos antes, intitulado "Todos os Contos".

Maisa Barbosa é doutorada em Estudos Literários, professora universitária, revisora ortográfica e criadora, no YouTube, do canal Trama Literária que pode ser visto aqui.

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