Com o poema "Dia de Descanso", do multifacetado Fernando Lemos e retirado do livro "Teclado Universal", aqui se relembra o momento em que Patrícia Adão Marques apresentou uma proposta de leitura de um autor que foi professor de Chico Buarque.
"Como se vê, sou mais um português à procura de coisa melhor": foi assim que se sintetizou a si próprio no documentário de Jorge de Silva Melo intitulado "Fernando Lemos - Como, Não É Retrato?" e realizado em 2017. Antes dessa frase, porém, dissera muito mais: "Fui estudante, serralheiro, marceneiro, estofador, impressor de litografia, desenhador, publicitário, professor, pintor, fotógrafo, tocador de gaita, emigrante, exilado, diretor de museu, assessor de ministros, pesquisador, poeta, jornalista, júri de concursos, conselheiro de pinacotecas, comissário de eventos internacionais, designer de feiras industriais, cenógrafo, pai de filhos, bolseiro, e tenho duas pátrias - uma que me fez, outra que ajudo a fazer", enumerou.
Nascido em Lisboa, a 3 de maio de 1926, teve problemas na infância devido a uma paralisia que lhe criaria um ligeiro defeito a andar. Ainda assim, com o pai e o vizinho Alfredo Marceneiro habituou-se a fados e a convívios nos bastidores de teatros. Seria estudante de Pintura e Litografia na Escola de Artes Decorativas António Arroio e, mais tarde, na Sociedade Nacional de Belas Artes, realizando inúmeros trabalhos sob profunda influência do Surrealismo. A fotografia surrealista foi outra das paixões que colocou em prática, a partir de 1949, após a aquisição de uma máquina Flexaret (e influenciado pelo que vivera dois anos antes em férias nas Berlengas com o pintor Marcelino Vespeira, também parceiro na escrita da peça "Adélia e Kovako"). Amigos como Sophia de Mello Breyner Andresen, Alexandre O'Neill, Vieira da Silva, Arpad Szenes, Mário Cesariny, Adolfo Casais Monteiro, José Cardoso Pires ou Jorge de Sena foram alguns dos alvos da sua objetiva. Sena, ao lado de quem trabalhou no jornal Portugal Democrático, entre 1955 e 1975, iria mesmo ser o autor do prefácio ao livro de poesia "Teclado Universal", publicado em 1953, de que hoje é aqui apresentado um exemplo, "Dia de Descanso", por Patrícia Adão Marques. Devido à sua oposição ao regime ditatorial de Salazar, Fernando Lemos seguiu para o exílio, primeiro no Rio de Janeiro e, depois,em São Paulo, no Brasil. Sena escreveu, no referido prefácio, sobre o universo da poesia do amigo: "Palpita ele de uma raiva ansiosa de humanidade, de um desesperado amor do próximo, de um amargo querer que os outros mereçam a dignidade das formas e das palavras."
Participa em diferentes exposições, aplica-se no desenho, empenha-se em design gráfico e industrial, viaja, torna-se amigo de Agostinho da Silva. Várias vezes distinguido com prémios e bolsas - entre estas, uma formação da Fundação Gulbenkian no Japão -, dedica-se ao ensino universitário - chega a ser professor de Chico Buarque, tempos depois de conviver com o pai, Sérgio Buarque de Holanda -, a ditadura afasta-o, abre a Giroflé (editora de livros para os mais jovens) e vai sendo consagrado à escala mundial. O percurso literário inclui a publicação dos livros "Cá & Lá" (1985, também prefaciado por Jorge de Sena) e "O Silêncio É dos Pássaros" (2001), multiplicam-se as exposições dentro e fora do Brasil, incluindo em Portugal, assim como as distinções e comendas. Outros títulos: "Isto É Isto e Ex-Fotos" (2010), "Desenho Diacrónico" (2011, com Adolfo Luxúria Canibal, vocalista da banda Mão Morta), "Pegadas na Paisagem" (2013) ou "Ph. Fernando Lemos" (2019).
Além do trabalho documental que lhe dedicou Jorge Silva Melo, outros registos foram feitos sobre a sua personalidade e marca artística como, por exemplo, "Retrato de Fernando Lemos", por Olívio Tavares Araújo, em 2001; "Fernando Lemos atrás da Imagem", por Guilherme Coelho,em 2005; "Fernando Lemos e o Surrealismo", por Bruno Almeida e Pedro Aguilar, no ano seguinte; ou "A Luz Teimosa", por Luiz Alves de Matos, em 2010. Foi casado por duas vezes (a segunda com Beatrix Overmeer), tendo o casal cinco filhos e vários netos.
A sua vida aventureira e cheia de caminhos diferentes terminou aos 93 anos, a 17 de dezembro de 2019, durante internamento numa unidade hospitalar paulista. Meses antes, na última visita a solo português, confessara: "A minha primeira exposição foi criar uma galeria de gente oprimida e proibida de se exprimir."
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Opositor da ditadura salazarista - criou as figuras de Salazar e dos seus sequazes como ratazanas -, Fernando Lemos foi forçado ao exílio no Brasil a partir de 1953, naturalizando-se poucos anos mais tarde.
Patrícia Adão Marques estreou-se em leituras por aqui a 29 de março com "Eu Sei, Mas Não Devia", de Marina Colasanti, seguindo-se "Mãe, Eu Quero Ir-me Embora", de Maria do Rosário Pedreira, no dia 4, "Vivo de Facto em Tempos de Escuridão", de Bertolt Brecht, a 11 de abril, "Um Adeus Português", de Alexandre O'Neill, a 18, e, no Dia Mundial da Leitura, o "Cântico Negro", de José Régio. Porém, conforme revela a sua nota biográfica, tem um longo e variado trabalho no universo da Cultura. "Cofundadora do Grupo TEMA-Mafra e membro da Direção do Teatro Independente de Oeiras, onde iniciou o percurso como atriz em 1996, é licenciada em Comunicação Empresarial pela Escola Superior de Comunicação Social, tendo feito formação artística em 2001/02 na ACT - Escola de Atores. Os estudos continuaram em ações promovidas por entidades como Chapitô, Teatro dos Aloés, Produções Fictícias", entre outras, sem esquecer "um curso de três meses no Michael Chekhov Acting Studio em Nova Iorque".
Por outro lado, "da sua experiência teatral constam passagens pelo Teatro A Barraca, Companhia do Chapitô, Teatro Mário Viegas, Teatro Villaret e Teatro Independente de Oeiras". O seu trabalho foi desenvolvido "em mais de 40 produções", tendo sido "dirigida por encenadores como Maria do Céu Guerra e Rita Lello (em A Barraca), Helder Costa, Carlos Thiré, Gina Tocchetto, Rui Rebelo, José Carlos Garcia, John Mowat - nestes quatro casos no Chapitô e para os mais novos -, Rita Lello, Moncho Rodriguez, António Pires, Frederico Corado, Carlos d'Almeida Ribeiro (no Teatro Independente de Oeiras), Lourenço Henriques, Durval Lucena" e outros.
Mas não se esgota aqui a sua atuação, pois Patrícia dispõe de "vasta experiência em teatro" para os mais novos, "incluindo musicais". No grande ecrã, a sua participação estende-se a filmes como "Quarta Divisão" (Joaquim Leitão), "A Corte do Norte" (João Botelho) ou "Os Imortais", de António-Pedro Vasconcelos. Em televisão há, por exemplo, a sua presença "no elenco fixo da novela "Ninguém como Tu", da TVI; a colaboração com o canal Q; as séries "Inferno" e "Inimigo Público", mas também "Bem-Vindos a Beirais", "Ministério do Tempo" ou "DaMood".
Outras vertentes da sua atividade são a locução e a dobragem "desde 2003. Neste capítulo sobressaem títulos como 'As Crónicas de Nárnia' (Disney e FOX), 'Handy Manny', 'Big Hero' e 'Violetta' (todos da Disney), neste último caso "dando voz à protagonista na versão portuguesa". O seu interesse e a sua atenção à poesia foram decisivos para que tenha "um canal no YouTube com vídeos" em que se apresenta a recitar e que está acessível aqui.
Multipremiada na área da realização de curtas-metragens, venceu o Prémio Melhor Curta-Metragem Portuguesa no Festival Massimo Troisi em Itália (2003) com "Coquelux - A Vingança das Galinhas" (realizado em parceria com o amigo e colega André Nunes) e o Prémio Melhor Vídeo no Festival Internacional de Avanca (2015), neste caso graças à curta "A Adorável Dor de Nunca te Ter" (parceria com Nuno Figueiredo), com base numa peça de Marguerite Duras, acessível aqui. Desse ano de 2015 é também a sua estreia como encenadora "com um musical infantil para o Grupo TEMA - Companhia de Teatro de Mafra".
Formação foi algo a que se dedicou entre 2008 e 2012 com "cursos e workshops" muitas vezes dedicados aos mais novos, com exemplos como "Workshop de Teatro para Crianças na ACT; curso de teatro na Oeiras International School; aulas em Montalegre ou no Teatro Independente de Oeiras". Atriz, locutora, dobradora, tem sido também produtora neste último teatro.
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