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Paulo Jorge Pereira

Thaís Sant'Anna lê "Quarto de Despejo: Diário de Uma Favelada", de Carolina Maria de Jesus

O livro "Quarto de Despejo: Diário de Uma Favelada", relato da pobreza extrema vivida na favela, foi escrito por Carolina Maria de Jesus, publicado em 1960 e é a escolha de Thaís Sant'Anna para leitura de um trecho.



Uma das primeiras escritoras negras do Brasil, Carolina Maria de Jesus nasceu a 14 de março de 1914, em Sacramento (Minas Gerais), filha de pais analfabetos e descendentes de escravos. Apesar de sofrer maus-tratos enquanto criança, aos sete anos estava na escola e a paixão pela escrita iria revelar-se. Em 1937, com a morte da mãe, mudou-se para São Paulo e, aos 33 anos, grávida e sem emprego, estava na favela do Canindé. O relato feito diário dessa experiência de pobreza extrema em que sobrevivia de apanhar (catar) papel, das tristezas, misérias e angústias humanas relativas ao período de 1955 a 1960, tornou-se o seu primeiro livro, sob a influência do jornalista Audálio Dantas, cuja ação para que fosse publicado se revelou determinante. A publicação inicial, com dez mil exemplares, esgotou-se em somente três dias de disponibilidade, tendo mais tarde sido alvo de tradução para mais de uma dezena de idiomas e assumindo-se como êxito internacional. A autora foi mesmo convidada para programas de televisão e gravou um álbum com músicas que escrevera.

Além de inspirar trabalhos em diversos outros registos, o livro chegou a ser alvo de suspeitas da sua veracidade, pois não faltou quem acusasse o próprio jornalista de inventar o diário, recusando crer que uma mulher negra, quase sem estudos e pobre fosse capaz de escrever algo tão cru e tocante. "Esquentei o arroz e os peixes e dei para os filhos. Depois fui catar lenha. Parece que vim ao mundo predestinada a catar. Só não cato felicidade", escreve no livro a autora. "E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual - a fome", denuncia Carolina Maria de Jesus no livro, um grito de revolta contra a marginalização, a desigualdade e a discriminação.

O êxito da obra permitiu-lhe a mudança para um bairro paulista de classe média, o bairro de Santana, no qual foi olhada com desconfiança pela sua condição de mãe solteira e vinda da favela. Admirada por escritores como Clarice Lispector ou Alberto Moravia, Carolina enfrentou dificuldades muito rapidamente, pois "Casa de Alvenaria", segundo livro publicado, ficou demasiado longe do sucesso do primeiro e as editoras afastaram-se da autora.

"Pedaços da Fome" e "Provérbios" foram as obras seguintes, publicadas em 1963. Sem ser casada, Carolina Maria de Jesus seria mãe de uma rapariga e dois rapazes, todos de relações diferentes. De 1969 é a última mudança, quando trocou Santana por Parelheiros, na parte sul de São Paulo, onde comprara um espaço que lhe recordava o ambiente da terra de origem. Ali viveu até ao fim da vida, morrendo a 13 de fevereiro de 1977, vítima de problemas respiratórios. Antes, porém, em 1975, ainda foi protagonista do documentário de uma televisão alemã intitulado "Favela: A Vida na Pobreza". Seis obras suas foram publicadas depois da morte e, em 2018, a editora Malê publicou "Carolina - Uma Biografia", da autoria de Tom Farias, apenas a mais recente das obras dedicadas à vida da escritora.

Entretanto, a Companhia das Letras anunciou que irá publicar a obra integral de Carolina Maria de Jesus, dispersa por cadernos que obtinha ou recuperava, parte dela ainda desconhecida do público e dispersa por géneros como teatro, romance ou pequenas histórias. Os seus trabalhos têm também feito parte dos currículos em estudo de diversas universidades.


Edição Popular


Entre diversos trabalhos inspirados pelo livro de Carolina Maria de Jesus incluem-se teatro, filme, samba e o episódio de uma série.

Thaís Sant'Anna Marcondes, professora de português de um colégio localizado no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. Licenciada em Letras pela UFF, tem mestrado em Teoria da Literatura e Literatura Brasileira também pela UFF e atualmente é doutoranda de Literatura Comparada na mesma instituição. Além disto, a sua atividade inclui um podcast que se chama "Capitu dissimulada", em que tenta, "através da voz, encantar as pessoas com as histórias dos livros que leio".

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