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Dia Mundial da Leitura em Voz Alta: Ana Zorrinho lê "Poema de Muito Amor", de Maria Teresa Horta

Paulo Jorge Pereira

No Dia Mundial da Leitura em Voz Alta, muito me honra colaborar no maravilhoso projeto "Leituras Censuradas" para o Agrupamento de Escolas de Santiago do Cacém. É um convite de Ana Zorrinho que, com acompanhamento musical de Simão Pereira, lê "Poema de Muito Amor", do livro "Minha Senhora de Mim", escrito por Maria Teresa Horta, alvo da Censura e apreendido pela PIDE em 1971.



Maria Teresa Horta nasceu a 20 de maio de 1937 e tem uma extensa obra, sobretudo no universo poético, mas não só. De ascendência nobre por parte materna, enquanto o pai foi bastonário da Ordem dos Médicos, Maria Teresa Horta veio a ser, tal como Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, uma voz poderosa do feminismo, tendo estudado na Faculdade de Letras de Lisboa. O jornalismo e a política (militou no PCP durante 14 anos) seriam dois dos seus mundos, estando distribuídos por diferentes jornais e revistas inúmeros exemplos do seu trabalho. Aliás, foi mesmo responsável por um suplemento (Literatura e Arte) no jornal A Capital e dirigiu a revista Mulheres.

A estreia na publicação de livros aconteceu com poesia em "Espelho Inicial" (1960), seguindo-se quase três dezenas de outros títulos, incluindo "Minha Senhora de Mim" (1971), apreendido pela PIDE sob a acusação de "ofensa da moral tradicional da nação" e pelo qual a autora foi perseguida, chegando mesmo a sofrer um espancamento na rua. Aqui, no belo projeto "Leituras Censuradas" para o Agrupamento de Escolas de Santiago do Cacém, Ana Zorrinho lê "Poema de Muito Amor" e colaboro com a leitura de um pequeno trecho da contracapa, cujo autor é Nuno de Sampayo.

No domínio da ficção, além de "Novas Cartas Portuguesas" - histórico grito contra a opressão, pela emancipação feminina e pela liberdade de expressão, escrito em parceria com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, que Inês Henriques aqui já trouxe e também alvo da Censura, apreendido pela PIDE e no centro de uma perseguição que só terminou após o 25 de Abril -, escreveu "Ambas as Mãos Sobre o Corpo" (1970), "Ana" (1974), "O Transfer" e "Ema" (1984), "A Paixão Segundo Constança H." (1994), "A Mãe na Literatura Portuguesa" (1999), "As Luzes de Leonor" (2011), "A Dama e o Unicórnio" (2013) e "Meninas" (2014).

Várias vezes galardoada, também não passou por qualquer tipo de hesitação quando considerou que deveria recusar ou tomar posição crítica sobre o caso: rejeitou que o então primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, lhe entregasse o Prémio D. Dinis em 2011 e, em 2014, recusou o quarto lugar partilhado com "Simpatia pelo Demónio", do brasileiro Bernardo Carvalho, e a respetiva verba associada, para o seu livro "Ascensões", no Prémio Oceanos. À revista Sábado explicou então que repudiava a situação e enumerou argumentos: "Primeiro, porque não entendo um prémio literário que destaque quatro lugares. Nem conheço nenhum prémio que o faça, nem nacional nem estrangeiro", afirmou. Por outro lado, "como é que o meu livro pode estar no mesmo lugar, em ex-aequo, que um ensaio? Não se entende. São dois estilos completamente diferentes. A literatura é muito diferente e, tal como não se pode comparar Virgina Woolf com Lev Tolstoi, não se pode comparar ficção a poesia, ou poesia a ensaios", criticou.


Publicações D. Quixote


Natália Correia era a diretora literária dos Estúdios Cor que publicaram a primeira edição de "Novas Cartas Portuguesas". De imediato, a censura determinou a recolha e destruição da obra, foi instaurado processo judicial às autoras, a PIDE interrogou-as, tentando que confessassem quem escrevera cada parte mais "atentatória da moral pública". O processo começou a 25 de outubro de 1973, foi adiado e já não resistiu à Liberdade nascida do 25 de Abril: o juiz que declarou a sua inocência elogiou "a obra de arte" que fora produzida pelas seis mãos.

Natural de Santiago do Cacém e licenciada em Direito, Ana Zorrinho tem uma relação de intimidade com a escrita e, além de entregar poemas da sua autoria à música, também entrou no Cancioneiro Infanto-Juvenil da língua portuguesa com poesia: "Quem canta em água tão fria....". Paixão é também o teatro, área em que tem formação, tendo colaborado com o grupo GATO SA como atriz. Além disso,

orientou, ao longo de quase uma década, o grupo teatral da Sociedade Harmonia, com jovens em papel fulcral; produziu adaptações e até guiões originais. A leitura e os jovens continuam a fazer parte do seu dia a dia, no qual é responsável por sessões e por um projeto de poesia em curtas metragens, sob o título “Silêncios”.

Já deixei aqui um exemplo de outro enorme talento da escritora: a declamação. "O Último Poema" integra "Súbito", o seu livro de poesia lançado a 8 de julho, numa sessão de que foi exemplo essa leitura.

"Histórias de um Tempo Só", o belo e poderoso livro de contos escrito por Ana Zorrinho e com maravilhosas ilustrações de Raquel Ventura (que também ilustrou "Lá", uma obra da escritora dirigida a crianças), foi tema central do blog a 17 de julho de 2020. Uma semana mais tarde, no dia 24, um precioso projeto com direção artística da escritora, a Oficina do Teatro, apresentou a sua leitura em conjunto de "Lágrima de Preta", inesquecível poema de António Gedeão, tão apropriado para os tempos que correm, marcados pelo recrudescimento do racismo. É caso para dizer que, com a escritora Ana Zorrinho, ficamos sempre a ganhar. A começar pela aprendizagem que nos proporciona. E, já agora, pela forma inesquecível como lê e dramatiza os textos - por exemplo, guardem bem na memória aquela última frase do trecho do livro de Mia Couto, "Venenos de Deus, Remédios do Diabo", que aqui leu a 11 de agosto de 2020.

Além de outros exemplos de leituras que aqui trouxe, a 30 de maio de 2022 leu um poema do seu conterrâneo Manuel da Fonseca. No primeiro dia deste ano, a participação foi feita com o poema "Dá-me a tua Mão por Cima das Horas", inserido n'"O Livro dos Amantes" em "Poesia Completa - O Sol das Noites e o Luar dos Dias", editado em 1999 e da autoria de Natália Correia. De 27 de fevereiro é a leitura de "Stoner", de John Williams. A 8 de maio leu um excerto da obra "A Grande Imersão", na homenagem a Luís Carmelo. A 19 de novembro de 2023 li aqui um pouco do seu "Súbito".

 
 
 

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