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Paulo Jorge Pereira

Fernando Soares lê "São Um Perigo as Palavras", de Alice Vieira

Ontem foi conhecida a atribuição de um prémio iberoamericano de literatura infantil e juvenil a uma personalidade notável, jornalista que não parou de escrever para jornais mesmo depois de deixar as redações e escritora de enorme sucesso, sobretudo com histórias para jovens: eis Alice Vieira em síntese e sugestão de leitura para hoje, com "São Um Perigo as Palavras", poema inserido no livro "O Que Dói às Aves" e aqui de volta na voz incandescente do ator Fernando Soares.



Nascida em Lisboa, a 20 de março de 1943, Alice de Jesus Vieira Vassalo da Fonseca passou muitas férias de verão nas termas de Caldelas e, antes de entrar na Faculdade de Letras, estudou no Liceu D. Filipa de Lencastre. Seria jornalista e mulher de Mário Castrim, crítico de televisão, escrevendo aos 14 anos um texto a tentar que ele o publicasse, mas a resposta foi negativa, embora lhe indicasse o caminho de continuar a tentar. Alice insistiu, trocaram muitas cartas e acabaram por conhecer-se quando a licenciada em Filologia Germânica começou a trabalhar no Diário de Lisboa. Porém, quando a ligação entre os dois ganhou dimensão, Alice atravessou a rua e foi trabalhar para o Diário Popular, conforme contou ao Público em 2012. "As pessoas, quando têm um relacionamento, não devem trabalhar no mesmo sítio. Seja marido e mulher, pai e filho", disse. Em 1966, conforme lembrou em entrevista ao Diário de Notícias publicada a 3 de agosto de 2018, foi para Paris, onde se encontrava Maria Lamas, sua prima e que era também escritora, tradutora, jornalista e militante pela causa feminista, além de grande lutadora contra a ditadura. Na referida entrevista ao Diário de Notícias contou como foi a experiência de viver o Maio de 68 na capital francesa e o tempo que ali passou. "Foi a liberdade completa", lembrou. "Foram anos que me enriqueceram muito: aquilo que se ouve, que se vê, as conversas que se têm", sintetizou. Nesse âmbito, não deixou de lembrar o convívio com personalidades como Pablo Neruda, Jorge Amado e a sua mulher, Zélia Gattai, ou Manuel Alegre.

Na conversa com Rita Pimenta para o diário Público em 2012 reconheceu ainda que fora desaconselhada a ligar-se a Castrim, sobretudo devido à diferença de 23 anos entre eles. Contudo, a vida encarregou-se de mostrar que tivera razão em ignorar os receios de outros. "Quando tive o 'cancro da praxe', ele é que foi o meu enfermeiro", contou. E transmitiu-lhe a força necessária para que pudesse ultrapassar as diversas fases da doença, em especial a da quimioterapia. Além disso, incentivou-a sempre a escrever, admitindo a autora com mais de três décadas a construir uma importante obra para público mais jovem - mas também de poesia, romance e crónicas - que sente "algum remorso por ele se ter afastado da escrita" para que ela se dedicasse aos livros.

Alice e Mário são pais da escritora Catarina Fonseca e do professor universitário André Fonseca e ganharam netos que ele não chegou a conhecer. Para Alice, o jornalismo continuou, depois do Diário Popular no Record e no Diário de Notícias, mas também no Jornal de Notícias e em revistas. Quanto à escrita de livros, essa ganhou decisivo impulso graças ao primeiro prémio que recebeu, em 1979, relativo a literatura infantil, vindo da Fundação Gulbenkian e entregue em função da obra "Rosa, Minha Irmã Rosa". Ambos cultivaram o contacto com as crianças como um privilégio, algo que Alice tem continuado a fazer com a ternura de sempre. Também escreve poesia e tem participação em coletâneas de crónicas ou parcerias em obras de ficção. A sua vasta obra está traduzida para dezenas de línguas e também já foi premiada além-fronteiras.

E, sempre interessada em novos projetos, na fase de pandemia Alice Vieira esteve com Manuela Niza em Retratos Contados com as crónicas "Pó de Arroz e Janelinha" que chegaram à Antena 1 e também podiam ser seguidas via Facebook. Um projeto cujo mentor foi, em 2015, precisamente Nélson Mateus, coautor do livro que já aqui se apresentou: "Diário de uma Avó e de um Neto Confinados em Casa", diálogo por entre momentos inesquecíveis, com uma proposta diferente que, em tempos estranhos e adversos de pandemia, juntou Alice Vieira e Nélson Mateus. E um segundo volume está já publicado... Nélson nasceu em 1972 na cidade de Lisboa e tem procurado desenvolver projetos e iniciativas que valorizem os mais velhos como, por exemplo, o 1.º Encontro Avós e Netos; a celebração dos 60 anos de carreira de Simone de Oliveira ou exposições que passam em revista o trabalho e a vida de nomes tão fundamentais como Ruy de Carvalho ou Alice Vieira.

Aqui no blog, Alice Vieira participou com várias leituras: primeiro, a 1 de maio de 2020, homenageando Mário Castrim ao ler um excerto de "Viagens em Casa"; mais tarde, a 15 desse mesmo mês, com "O Valor do Vento", poema de Ruy Belo que já aqui regressou; a estreia de "Murmúrios do Vento", de José Tolentino de Mendonça, aconteceu em abril de 2021, voltou a 27 de setembro de 2022 e hoje regressa.

Mas esta não foi a estreia de um livro da escritora aqui: a 26 de dezembro de 2020, li um trecho da obra "Trisavó de Pistola à Cinta e Outras Histórias". Três dias mais tarde, a 29 desse mesmo mês, foi a vez de um excerto do livro "Se Perguntarem por Mim Digam que Voei". A 26 de fevereiro do ano seguinte apresentei um pouco da obra "Viagem à Roda do Meu Nome". E, a 20 de março, por ocasião do aniversário da jornalista e escritora, o Fernando Soares leu o poema "São Um Perigo as Palavras", parte do livro "O Que Dói às Aves", que aqui voltou no passado 20 de março, dia dos 80 anos da autora. Desde aí, têm sido diversas as presenças de leituras de obras assinadas por Alice Vieira.


Editorial Caminho


Na epígrafe do livro é citada a poesia de Daniel Faria: "Com os meus amigos aprendi que o que dói às aves Não é o serem atingidas, mas que, Uma vez atingidas, O caçador não repare na sua queda."

Com uma voz poderosa e enorme experiência, o ator, escritor, encenador e diseur Fernando Soares continua a hipnotizar audiências e a promover a leitura como poucos. Ao longo de um percurso no universo artístico e da interpretação, Fernando Soares teve oportunidade para mostrar os seus múltiplos talentos em diferentes registos. Entre os anos 60 e 90 do século passado entrou em filmes como "A Cana de Pesca", "A Viagem do Senhor Perrichon", "Henrique IV", "Fragmentos de um Filme-Esmola: A Sagrada Família", "Cântico Final", "Tá Mar", "O Amigo de Peniche", "Rosa Enjeitada" ou "O Diabo Desceu à Vila". Mas o seu talento também pôde ser visto em séries, telenovelas ou programas televisivos como "Retalhos da Vida de um Médico", "Eu Show Nico", "Vila Faia", "Gente Fina É Outra Coisa", "Tragédia da Rua das Flores", "A Morgadinha dos Canaviais", "Napoleão Meu Amor", "O Morgado de Fafe em Lisboa", "O Café do Ambriz", "A Árvore", "Terra Instável" ou "Nico d'Obra".

Tendo passado por áreas como jornalismo e formação no âmbito das artes performativas, Fernando Soares não deixa de se associar a iniciativas culturais de cariz social (estabelecimentos prisionais, universidades sénior e unidades de ensino de todos os ciclos). Texto, direção e interpretação também lhe pertenceram no Dia Mundial do Teatro, em 2018, quando atuou na Casa da Cultura do Município de Paredes com a peça “O Semeador de Palavras”. E continua a alimentar participações distribuídas por diferentes fóruns. Porque todos temos de saber aprender e ouvir cada sílaba pronunciada por Fernando Soares é um ato de aprendizagem.


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