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  • Paulo Jorge Pereira

Alice Vieira lê "O Valor do Vento", de Ruy Belo

Updated: May 16, 2020

A escritora Alice Vieira participa com a segunda leitura aqui no blog, desta vez com a poesia de Ruy Belo - nome grande da poesia em Portugal na segunda metade do século XX -, a quem conheceu bem desde os tempos em que se cruzaram na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.



"Na obra de Ruy Belo está muito explicada Santarém e este mundo da sua infância, da sua juventude", resume o ator Mário Viegas em imagens de arquivo - do seu programa "Palavras Vivas", à porta do teatro Taborda, em janeiro de 1991 - no documentário da RTP intitulado "Ruy Belo, Era Uma Vez", realizado por Nuno Costa Santos em 2015. Nascido em São João da Ribeira (27 de fevereiro de 1933), uma pequena aldeia do concelho de Rio Maior, Ruy Belo era filho de um casal de professores do ensino primário e iria licenciar-se em Direito, estudando nas Universidades de Coimbra e de Lisboa. Foi editor literário da Editorial Aster e chefiou a redação da revista Rumo. Licenciou-se na capital em 1956, aí transmitindo uma aura de respeito à sua volta. Ia doutorar-se em Roma (Direito Canónico) e, mais tarde, nos anos 60, quando já publicara "Aquele Grande Rio Eufrates", ingressou na Faculdade de Letras da Universidade lisboeta para nova licenciatura, então em Filologia Românica. Pelo meio publica "Boca Bilingue" (1966). Muitos se interrogavam o que fazia ali alguém com o seu nível de conhecimentos, como recorda no referido documentário a própria escritora Alice Vieira que o conheceu nessa altura. Leonor Xavier, jornalista e escritora, segue um caminho semelhante: "Ele intimidava-me um pouco, era alguém que sabia mais do que nós todos juntos", aponta. Com formação católica e ligado à Opus Dei, afastou-se da organização porque esta o "proibia de escrever" e, ainda estudante na Faculdade de Letras, jogou futebol como defesa-central, publicou artigos e foi entrevistado em A Bola.

Contactou de perto com o linguista Lindley Cintra, pai do ator Luís Miguel Cintra, com quem manteve forte amizade. Tradutor rigoroso e com grande atividade editorial, ganhara em 1961 uma bolsa na Fundação Gulbenkian que será fundamental para o seu sustento. Conhecera Maria Teresa na Faculdade de Letras e casam-se em Vila do Conde (1966), mas é o próprio Lindley Cintra quem tem de ir buscá-lo a casa, uma vez que se distraíra com as horas e ficara em contemplação à varanda. Colabora na revista O Tempo e o Modo, as crises estudantis fazem com que assuma posições de cariz político, integra o grupo dos católicos progressistas com João Bénard da Costa, Pedro Tamen ou Sophia de Mello Breyner Andresen, coloca o nome em manifestos e abaixo-assinados contra a ditadura, vindo a ser candidato a deputado pela Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD), em 1969, ao lado de Mário Soares, Sophia de Mello Breyner, Francisco Sousa Tavares ou Gonçalo Ribeiro Telles. Face a semelhante exposição, desperta a atenção da PIDE que passa a exercer vigilância sobre os seus passos. Vive rodeado de livros, com a mulher e os três filhos (dois rapazes, Diogo e Duarte, e uma rapariga, Catarina) numa casa no Monte Abraão (Queluz), lê muito, escreve a toda a hora e em todas as superfícies, até no verso de um bilhete de metro, a busca pela perfeição das sonoridades e dos ritmos das palavras é incessante, publica "Homem de Palavra(s)" e "Na Senda da Poesia".

Nadador experiente, é salvo de morrer afogado na Senhora da Guia, mas passa cinco horas em coma - sobre o assunto escreve "Fala de um Homem Afogado ao Largo da Senhora da Guia no Dia 31 de Agosto de 1971". Leitor de Português em Madrid, regressa a Portugal e, sem ter oportunidade de ser docente universitário, algo que lhe causa profunda tristeza, torna-se professor do ensino secundário à noite. Continua a escrever e a publicar: "Transporte no Tempo", "País Possível", "A Margem da Alegria", "Os Estivadores" e "Toda a Terra". Em 1977 publica "Despeço-me da Terra da Alegria". Um dia, vê num jornal o anúncio a um concurso para professor assistente de Literatura na Faculdade de Letras. Desloca-se a Lisboa para concorrer, mas a vida já não lhe dá tempo. Insuficiente coronário como o pai, acaba por ser vítima de edema pulmonar, morre bruscamente a 8 de agosto de 1978. Maria Teresa, a quem homenageia no poema "Elogio de Maria Teresa", torna-se curadora da sua obra até ao momento em que deixa de existir, a 17 de fevereiro de 2018.


"Obra Poética" em dois volumes (Editorial Presença)

"A minha vida passou para o dicionário que sou. A vida não interessa. Alguém que me procure tem de começar - e de se ficar - pelas palavras", escreve no poema "Não Sei Nada".

Esta é a segunda participação da escritora Alice Vieira aqui no blog, depois da estreia no passado dia 1 de maio quando leu um excerto de "Viagens em Casa", escrito por Mário Castrim. Sempre interessada em novos projetos, nesta fase de pandemia Alice Vieira está com Manuela Niza em Retratos Contados com as crónicas "Pó de Arroz e Janelinha" que já chegaram à Antena 1 e também podem ser seguidas via Facebook.

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