Sofia Branco lê o poema "Segredo de Ti", de Maria Teresa Horta
- Paulo Jorge Pereira
- Feb 6
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Sofia Branco é minha Amiga e escrevo-o com orgulho. Mas, muito antes disso, é uma jornalista sem receios que ergue sempre a voz contra as desigualdades, as injustiças, a misoginia, a violência de género, o racismo e tantas outras formas de abuso que persistem. Defensora dos Direitos Humanos, hoje homenageia Maria Teresa Horta com a leitura do poema "Segredo de Ti", inserido na sua obra "Minha Senhora de Mim", publicado em 1971.
"Novas Cartas Portuguesas" foi um ato de coragem inexcedível de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, decidido num encontro das três em maio de 1971. Além de vozes da renovação da Literatura portuguesa, foram porta-vozes da rebeldia, do inconformismo com a condição feminina, da reivindicação de direitos para as mulheres, da denúncia da emigração, da guerra colonial e da luta antifascista. Escrever aquela marcante obra valeu às três mulheres um processo que só seria suspenso após a Revolução do 25 de Abril, apesar da enorme onda de solidariedade que se gerou, no plano nacional mas também além-fronteiras, em redor das três escritoras. Mas antes do grito de revolta feito livro já havia diversas obras publicadas pelas autoras.
Maria Teresa Horta, anteontem desaparecida, nasceu a 20 de maio de 1937 e tem uma extensa obra, sobretudo no universo poético, mas não só. De ascendência nobre por parte materna, enquanto o pai foi bastonário da Ordem dos Médicos, Maria Teresa Horta veio a ser, tal como Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, uma voz poderosa do feminismo, tendo estudado na Faculdade de Letras de Lisboa. O jornalismo e a política (militou no PCP durante 14 anos) seriam dois dos seus mundos, estando distribuídos por diferentes jornais e revistas inúmeros exemplos do seu trabalho. Aliás, foi mesmo responsável por um suplemento (Literatura e Arte) no jornal A Capital e dirigiu a revista Mulheres. A estreia na publicação de livros aconteceu com poesia em "Espelho Inicial" (1960), seguindo-se quase três dezenas de outros títulos. Pelo caminho seria mesmo agredida por vários homens em plena rua "para que aprendesse a não escrever" como o fazia: de forma livre e sem papas na língua. No domínio da ficção, além do trabalho em parceria que Inês Henriques aqui trouxe, escreveu "Ambas as Mãos Sobre o Corpo" (1970), "Minha Senhora de Mim" (1971), de que hoje Sofia Branco aqui traz um poema, "Ana" (1974), "O Transfer" e "Ema" (1984), "A Paixão Segundo Constança H." (1994), "A Mãe na Literatura Portuguesa" (1999), "As Luzes de Leonor" (2011), "A Dama e o Unicórnio" (2013) e "Meninas" (2014).
Várias vezes galardoada, incluindo pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, também não passou por qualquer tipo de hesitação quando considerou que deveria recusar ou tomar posição crítica sobre um caso: rejeitou que o então primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, lhe entregasse o Prémio D. Dinis em 2011 e, em 2014, recusou o quarto lugar partilhado com "Simpatia pelo Demónio", do brasileiro Bernardo Carvalho, e a respetiva verba associada, para o seu livro "Ascensões" no Prémio Oceanos. À revista Sábado explicou então que repudiava a situação e enumerou argumentos: "Primeiro, porque não entendo um prémio literário que destaque quatro lugares. Nem conheço nenhum prémio que o faça, nem nacional nem estrangeiro", afirmou. Por outro lado, "Como é que o meu livro pode estar no mesmo lugar, em ex-aequo, que um ensaio? Não se entende. São dois estilos completamente diferentes. A literatura é muito diferente e, tal como não se pode comparar Virgina Woolf com Lev Tolstoi, não se pode comparar ficção a poesia, ou poesia a ensaios", criticou.
D. Quixote
Ao lado de Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, com quem escreveu "Novas Cartas Portuguesas", obra pela qual foram perseguidas pela ditadura, Maria Teresa Horta foi porta-voz da rebeldia, do inconformismo com a condição feminina, da reivindicação de direitos para as mulheres, da denúncia da emigração, da guerra colonial e da luta antifascista.
A guerra colonial dizimou milhares de vidas, destruiu famílias, casas e lugares, estropiou soldados e civis, deixou chagas psicológicas feitas stress pós-traumático que ainda hoje multiplicam vítimas sob a forma de violência doméstica e outras formas de violência. Ao longo de 13 anos, entre 1961 e 1974, milhares de soldados combateram, sofreram, viram horrores, mataram para não morrer, massacraram, cometeram atrocidades, foram presos, torturados, prenderam e torturaram. E as mulheres? O que lhes aconteceu ao longo desse tempo? Como sobreviveram e lidaram com uma série de diferentes papéis? Sofia Branco investigou e procurou respostas para estas e muitas outras perguntas, daqui nascendo "As Mulheres e a Guerra Colonial", de que já aqui foi apresentado um excerto pela voz de Fernanda Silva. Há 49 histórias contadas que nos fazem revisitar aquele país que parece tão distante e estão sempre aconchegadas por poemas vindos das músicas de cantautores como José Afonso, José Mário Branco, Adriano Correia de Oliveira, Sérgio Godinho, entre outros. As histórias ilustram exemplos diferentes, falam de dias de dúvida, de dor e sofrimento, de constante incerteza e, tantas vezes, finais infelizes. Mas também de coragem exemplar e de situações desconhecidas para tantos que ainda hoje mal conseguem perceber uma ínfima parte do que se passou naqueles anos de ditadura, a longa noite fascista.
Outro exemplo da qualidade do trabalho de Sofia Branco foi lançado em 2006. O livro "Cicatrizes de Mulher" conta histórias de mulheres que foram submetidas a mutilação genital, tendo por base casos como os de Mariama, Tchambu e Cândida, testemunhos recolhidos em bairros com predominância das comunidades africanas em Portugal, na Guiné-Bissau e ainda em vários países europeus. Pela dimensão humanista e pela importância fundamental de abordar um fenómeno que continua a ser responsável por mortes e danos irreparáveis para muitas mulheres - ainda agora, no primeiro julgamento sobre a prática em Portugal, foi condenada a três anos de prisão e ao pagamento de 10 mil euros, uma mulher que permitiu a mutilação da própria filha com ano e meio -, a obra de investigação de Sofia Branco, então jornalista do Público e hoje na agência Lusa, recebeu seis prémios na área dos Direitos Humanos, como o Natali Europe, da Comissão Europeia e da Federação Internacional de Jornalistas, mas também a Medalha de Ouro da Assembleia da República. A obra foi apresentada na Feira do Livro, no início de junho de 2006 e, cerca de um mês mais tarde, quando teve apresentação na Guiné-Bissau, um dos 30 dos 54 países africanos onde a prática era corrente, a autora afirmou, citada pela comunicação social: "Tenho muito respeito pela tradição, mas o corte é desnecessário. Morrem mulheres por causa do parto que não se consegue concluir, morrem meninas com infecções. É necessária uma vasta campanha de sensibilização, a todos os níveis, para acabar com esta prática nefasta."
Além do trabalho empenhado no dia a dia como jornalista, Sofia Branco foi eleita Presidente do Sindicato dos Jornalistas em 2016 e reeleita em 2019, sempre com elencos diretivos paritários, desenvolvendo em conjunto com os companheiros da direção um trabalho profundo em defesa do Jornalismo e da profissão. Num contexto de enormes dificuldades, marcado por constantes despedimentos, precarização e ataques da mais variada índole aos jornalistas, Sofia Branco foi uma voz inquieta que nunca se escondeu, estando na primeira linha dos mais duros combates e reivindicando sempre mais e melhor para os profissionais do setor.
Sob a sua liderança houve espírito de cooperação entre diferentes representações de jornalistas e, quase duas décadas depois da anterior edição, em 2017, durante quatro dias, realizou-se o 4.º Congresso da classe, onde foi possível debater diferentes temáticas e dar oportunidade a jovens estudantes de terem uma oportunidade de treinar a prática profissional numa experiência de redação laboratório que incluiu entrevistar o chefe de Estado. Mais recente, de dezembro de 2019, é a conferência sobre financiamento dos media, um tema bem dentro da atualidade e da delicada situação que as empresas enfrentam, na qual participou também o Presidente da República. Outro projeto que muito exigiu e está a dar frutos é o da literacia para os media, cada vez mais uma forma de aproximação a professores, alunos e à sociedade em geral, no sentido de que compreendam e interpretem melhor o papel do jornalista.
Mas, para lá da montanha de trabalho desenvolvido em Portugal nas mais variadas frentes, de cursos a palestras, passando por dar aulas de Ética, Sofia Branco destacou-se por ter igualmente presença e voz dinâmica no plano internacional. Não só abriu caminho à inédita eleição do presidente do Sindicato dos Jornalistas para o Comité Executivo da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), em junho de 2019, como foi também eleita para o Conselho de Género da entidade. Além disso, devido ao seu intenso trabalho, Lisboa acolheu, pela primeira vez, a assembleia anual da Federação Europeia de Jornalistas em junho de 2018, na qual foram aprovadas por unanimidade as moções sobre precariedade, violência contra jornalistas no desporto e desigualdades de género apresentadas pelo Sindicato dos Jornalistas.
Nascida na Póvoa de Varzim, estudante universitária em Coimbra, Sofia Branco é jornalista há mais de duas décadas, tendo realizado estudos em diferentes especialidades (islamismo, igualdade de género, mestrado em Direitos Humanos). Além das obras "As Mulheres na Guerra Colonial" e "Cicatrizes de Mulher" acima referidas, Sofia Branco coordenou, com Anabela Natário e Isabel Nery, a antologia "Tudo por Uma Boa História" (2017).

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