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  • Paulo Jorge Pereira

"A Festa do Chibo", de Mario Vargas Llosa

Um dos grandes nomes do designado "boom" da Literatura latino-americana dos anos 60 e 70, integrante da corrente do realismo mágico, Prémio Nobel da Literatura em 2010 e autor de inúmeras obras marcantes, Mario Vargas Llosa é o "convidado" de hoje. Um trecho da obra "A Festa do Chibo", livro que aborda a ditadura de Trujillo na República Dominicana, é a proposta.



Quando a Academia Sueca de Ciências lhe atribuiu o Prémio Nobel da Literatura em 2010, justificando a decisão com aquilo que encontrava nos seus livros, uma "cartografia de estruturas de poder e imagens vigorosas sobre a resistência, revolta e derrota individual", Mario Vargas Llosa era há muito um dos nomes maiores da Literatura mundial e da América Latina em particular. Com Gabriel García Márquez, Julio Cortázar e Carlos Fuentes, integrara o boom da Literatura latino-americana nas décadas de 60 e 70. Fora longo e tortuoso o caminho desde que Jorge Mario Pedro Vargas Llosa, feito marquês de Vargas Llosa pelo rei Juan Carlos, fizera desde o nascimento na peruana Arequipa, a 28 de março de 1936. Os pais, Dora Llosa Ureta e Ernesto Vargas Maldonado, separaram-se após cinco meses de casamento e o pequeno Mario só irá conhecer o pai aos dez anos, depois de viver em Cochabamba, na Bolívia, altura da reconciliação do casal e do regresso a Lima, capital do Peru. O pai será responsável pela sua colocação no Colégio Militar Leôncio Prado com apenas 14 anos, algo que terá mais tarde materialização literária na obra "A Cidade e os Cães", publicada em 1963. Colabora nos jornais La Crónica e La Industria e, em 1952, escreve uma peça de teatro com o título "La Huida del Inca". Os estudos de Letras e Direito começam em 1953 e o primeiro episódio controverso da sua vida aventurosa é do ano seguinte quando decide casar-se com a sua tia Julia Urquidi (era irmã de um dos seus tios pelo lado da mãe). Sob forte pressão financeira e para garantir a subsistência acumula trabalhos que vão da função de editor dos Cuadernos de Composición e da revista Literatura à escrita para programas de rádio ou até à revisão de nomes nas lápides de cemitérios. Deixa o Peru em 1958, depois de obter uma bolsa para a Universidade Complutense de Madrid, doutorando-se em Filosofia e Letras. Está aberta a porta para cumprir um dos seus sonhos: viver em Paris.

A Cidade-Luz é um universo fascinante, permite-lhe tomar contacto com muitos intelectuais, participar em tertúlias fervilhantes de ideias e de discussão política, nesta fase é um admirador da Revolução cubana, mas a situação financeira de Vargas Llosa e da mulher mantém-se periclitante. Publica "Os Chefes" (1959), tornando a desempenhar diferentes papéis em simultâneo, como jornalista na agência France Press e na televisão, além de locutor na rádio. Contudo, regressa ao Peru em 1964, divorcia-se da sua tia e, no ano seguinte, promove outro casamento familiar, desta vez com a prima Patrícia Llosa, de quem terá os filhos Álvaro, Gonzalo e Morgana. A partir de 1965 fará parte da revista cubana Casa de las Américas e, em 1966, publica "A Casa Verde", distinguido com o Prémio Romulo Gallegos. Visita a União Soviética, publica "Os Cachorros" e começa a afastar-se do comunismo e de Cuba, afastamento que se aprofunda com as críticas à invasão soviética e de tropas de países do Pacto de Varsóvia para o esmagamento da Primavera de Praga na então Checoslováquia, em 1968. Já está na Europa com a mulher e Fidel, durante um discurso, afirma que Vargas Llosa nunca mais poderá regressar a Cuba. Ato imediato, o escritor demite-se da revista Casa de las Américas e passa a ser um crítico feroz do regime cubano, além de derivar para um posicionamento como liberal de direita, criticando o amigo García Márquez pela proximidade e amizade que este sempre manteve com Fidel.

Publica "Conversa na Catedral" (1969) e é convidado para o Congresso Mundial do PEN Clube em Nova Iorque, instala-se em Londres e trabalha como professor de Literatura Hispanoamericana no Queen Mary College. Irá ainda trabalhar como tradutor para a UNESCO em Atenas, vivendo entre Atenas, Paris, Londres e Barcelona até 1974. DE 1973 é a obra "Pantaleão e as Visitadoras", numa fase em que também já se dedica a escrever ensaios sobre escritores como "García Márquez: História de um Deicídio". Em 1975 alarga a sua intensa atividade à indústria cinematográfica e, no ano seguinte, torna-se líder do PEN Clube Internacional, cargo que manterá até 1979. Pelo meio, após várias diferenças de opinião, sobretudo no plano político, desentende-se em definitivo com García Márquez, a quem agride a soco em 1976, alegadamente por o colombiano ter ido demasiado longe na proximidade com Patricia, a sua mulher. "A Tia Júlia e o Escrevedor", de que aqui se lê um excerto, é o romance em parte autobiográfico que publica em 1977, seguindo-se "A Guerra do Fim do Mundo" (1981). Sem nunca deixar de participar ativamente na política, em 1983 é nomeado presidente da comissão para a investigação da morte de oito jornalistas em Ayacucho, quando acompanhavam ações desenvolvidas contra o movimento maoísta Sendero Luminoso. Vai escrevendo várias peças de teatro e romances - neste caso, "História de Mayta" (1984), "Quem Matou Palomino Molero?" (1986), "O Falador" (1987), "Elogio da Madrasta" (1988).

Pela coligação Frente Demócrata será candidato à presidência do Peru em 1990, vence a primeira volta, mas perde na segunda com Alberto Fujimori e, desgostoso com o rumo do país, viaja para Espanha em 1993, passa a escrever como colunista no diário El País, acabando por obter dupla nacionalidade. Escreve "Lituma nos Andes" nesse ano, publicando mais tarde "Os Cadernos de Dom Rigoberto" e "Cartas a um Jovem Romancista" (ambos de 1997), "A Festa do Chibo" (2000), "O Paraíso na Outra Esquina" (2003), "Travessuras da Menina Má" (2006) e "O Sonho do Celta" (2010). Este é o ano da consagração, pois, às inúmeras distinções já recebidas, junta o Nobel da Literatura. No discurso de agradecimento, que se prolonga por mais de 51 minutos e causa lágrimas, há um lugar de honra para Patrícia, a prima com quem se casou em 1965: "O Peru para mim é Patricia, a prima de nariz empinado e caráter indomável com quem tive a sorte de casar-me há 45 anos e que continua a suportar as manias, neuroses e birras que me ajudam a escrever. Sem ela a minha vida estaria desfeita há muito tempo num torvelinho caótico e não teriam nascido Álvaro, Gonzalo, Morgana, nem os seis netos que nos prolongam e alegram a existência. Ela faz tudo e tudo faz bem. Resolve os problemas, administra a economia, põe ordem no caos, mantém à distância os jornalistas e os intrusos, defende o meu tempo, decide as entrevistas e as viagens, faz e desfaz as malas e é tão generosa que, até quando pensa que me ralha, faz-me o melhor dos elogios: 'Mario, tu só serves para escrever.'"

Nos anos seguintes, a escrita não deixa de se traduzir em livros: "Pantaleão e as Visitadoras" (2011), "A Civilização do Espectáculo" (2012), "O Herói Discreto" (2013), "Cinco Esquinas" (2016), "O Apelo da Tribo" (2019) e, em 2020, publica "Tempos Duros".

Em 2016, depois de Bob Dylan ser distinguido com o Nobel da Literatura, Vargas Llosa causou polémica ao afirmar, na cerimónia em que lhe foi atribuído o doutoramento honoris causa pela Universidade de Burgos, que "a cultura tende a converter-se em espectáculo", classificando a alegada democratização cultural como "banalização do frívolo". Mostrava desse modo a discordância pela decisão da Academia e resolveu lançar ainda a questão sobre se, para maior promoção do Nobel, no ano seguinte o galardão seria entregue a um futebolista.


Publicações Dom Quixote/Tradução de Cristina Rodriguez


Um nojo profundo é o que qualquer leitor sente pela figura cruel, desumana e sanguinária que está no centro do livro "A Festa do Chibo": Rafael Trujillo, o ditador que semeou violência e brutalidade na República Dominicana.

O trabalho literário de Vargas Llosa tem figurado aqui com frequência e o exemplo mais recente foi um pedaço do livro "A Tia Júlia e o Escrevedor", que aqui voltou a 4 de dezembro.


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