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  • Paulo Jorge Pereira

Eliana Marques lê "Filhos da Primavera Árabe", de Paulo Jorge Pereira

A autora do livro de poemas "O Canto do Colibri" apresenta, desta vez, a leitura de um trecho do livro "Filhos da Primavera Árabe", o romance que publiquei em 2017.



Emoção, raiva e incredulidade. Lembro-me de, em setembro de 2015, ter passado por tudo isto, pensando pela enésima vez que a Humanidade estava perdida, quando um pouco por todo o lado foram difundidas as imagens de uma criança morta numa praia da Turquia. Aylan Kurdi tinha três anos e passava a integrar a lista de milhões de vítimas inocentes da guerra civil na Síria, onde a barbárie se instalou sem que a designada "comunidade internacional" fosse capaz de unir-se para estabelecer a paz. Não fui capaz de ficar indiferente ao horror do que vira. Quis contar histórias de quem tivesse sido sujeito ao sofrimento de ver um país arrasado e fosse forçado a fugir para proteger a vida, deixando tudo para trás: família, amigos, memórias queridas. Com a ajuda de uma associação de intervenção comunitária, a CRESCER, encontrei sírios que tentavam começar de novo em Portugal sem esquecerem quem continuava sob o inferno dos bombardeamentos nas cidades sitiadas. Ouvi histórias arrepiantes, vi as lágrimas que traduziam o intraduzível, em silêncio me emocionei com as suas emoções. Pesquisei casos terríveis que todos os dias a imprensa internacional narrava, mas também alguns que permitiam alimentar a ideia de que havia caminho para fazer do lado da empatia e dos braços abertos para acolher quem mais precisa. Quando comecei a escrever, fi-lo sem plano, desconhecendo como seria o percurso e que fim teria a história. Não tinha editora, nem sequer a convicção de que poderia chegar a publicar um livro. Mas o apoio incondicional da minha namorada foi determinante para a construção da história e a sua transformação na minha estreia literária.

Entretanto, a falência do jornal onde trabalhava deixou-me desempregado e o projeto estagnou. Retomei-o meses mais tarde, já empregado e muito apoiado no Sindicato dos Jornalistas. Com alguns milhares de caracteres escritos, encontrei anúncios de quem estava disponível para acolher e analisar manuscritos, podendo mesmo transformá-los em livros. Depressa percebi que alguns eram simples truques de ilusionismo, propondo-me que escrevesse e ainda por cima pagasse para publicar. Recusei e prossegui a procura. A EGO Editora foi a primeira a enviar-me uma análise séria, na qual avaliava o potencial da história, apontava pistas que eu podia explorar no sentido da sua evolução e escrevia as palavras mágicas: livro e publicação. Mas era preciso que alguém com vasto conhecimento do Médio Oriente lesse tudo com atenção. E o jornalista José Manuel Rosendo, amigo de décadas, teve a paciência de um relojoeiro e a precisão do ourives a apontar o que precisava de ser alterado. Além disso, coube-lhe a missão de escrever um prefácio maravilhoso!

Muito trabalho de ambos os lados mais tarde, a apresentação pública fez-se em junho de 2017 no espaço que escolhi, onde fora muito feliz nos anos 80 e rodeado de família, namorada e amigos numa sala a abarrotar de carinho: a Escola Secundária José Gomes Ferreira, em Benfica, com as minhas queridas professoras de Português na fila da frente. Ao lado, outro mestre de Jornalismo e da Rádio: Ricardo Alexandre, amigo de muitos anos. Foi um dos momentos mais felizes e inesquecíveis da minha vida, serei para sempre grato a todos os que lá estiveram e aos que, não podendo estar, enviaram mensagens de incentivo. Estão para sempre no meu coração. O livro registou ainda mais algumas apresentações públicas que voltaram a ter inestimáveis colaborações de amigos (Germano Almeida, Marta Rangel, Pedro Latoeiro), mas, mal chegara às livrarias, a falência da distribuidora, com ligação direta a alguém que já estivera no processo de insolvência do jornal onde trabalhei, minou as vendas, tornando a recuperação muito difícil. Ainda assim, ela foi feita.

Na altura, pensei que não poderíamos descer mais níveis no nosso humanismo e no sentido de solidariedade que deveríamos reforçar a cada dia que passa. Cinco anos depois daquelas imagens chocantes, a guerra continua. Há milhões de desalojados, milhares de vítimas, gente que morre todos os dias a fugir do conflito. A Europa permanece incapaz de definir uma política comum para lidar com a situação, dirigentes políticos populistas e protofascistas pululam por todo o planeta. Adaptando uma expressão que se tornou comum é caso para dizer que a Humanidade já morreu e nem deu por isso. Apesar de todos os avisos diários que lhe chegam. Mas recuso-me a aceitar que isso seja verdade e este livro é uma veemente afirmação nesse sentido.

É a segunda vez que "Filhos da Primavera Árabe" tem leitura aqui no blog. A estreia aconteceu a 14 de maio, pela voz do meu amigo radialista Eduardo Pinto.


EGO Editora


Escrevi "Filhos da Primavera Árabe" com a esperança de que a guerra pudesse acabar o mais depressa possível e os sírios tivessem um Governo que os respeitasse. Porém, nenhum destes anseios se concretizou e o conflito só tem registado agravamentos.

Nascida em Santo André (São Paulo), Eliana Maria Marques reside agora em São Lourenço (Minas Gerais). Formada em Biblioteconomia e Documentação, foi diretora da Biblioteca Pública de Diadema em São Paulo. Coordenou programas na área do livro e leitura e é membro da Sociedade Brasileira de Eubiose. Além disso, faz parte do Grupo das Letras de São Lourenço e participou recentemente no I Sarau Virtual Integração Cultural.

"O Canto do Colibri" já fora objeto de várias leituras aqui no blog. Primeiro, pela voz da própria autora, que apresentou "Infância de Bonecas, Cachos de Banana", a 16 de setembro; seguiram-se leituras de Eunice Moraes que, a 18 de setembro, leu "Viva Feminino" e, a 21 do mesmo mês, selecionou "Sou Rio". Eu tive oportunidade de ler o poema que dá título ao livro no dia 13 deste mês e a autora apresentou o poema "Sabores" a 22.

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