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  • Paulo Jorge Pereira

Fernanda Silva lê "O Sol e o Menino dos Pés Frios", de Matilde Rosa Araújo

Updated: Oct 3, 2020

Escrever para crianças porque foram elas que a ensinaram: foi essa a filosofia de Matilde Rosa Araújo, cuja vida teve dedicação quase total a essa missão. Fernanda Silva escolhe "O Sol e o Menino dos Pés Frios" para recordar a escritora que nunca deixou de defender as crianças.



Aos 84 anos, em declarações à RTP, surpreendia-se porque, nessa fase da vida, "ainda tinha a infância" dentro de si. A obra de Matilde Rosa Lopes de Araújo, dedicada a crianças e jovens, é uma das mais importantes da Literatura em português. Nascida em Lisboa, a 20 de junho de 1921, Matilde tinha um irmão e uma irmã e estudou em casa com o apoio de professores particulares, começando a ler com apenas cinco anos. Na entrevista à estação pública de televisão, a escritora confessou que o facto de estudar em casa "deixou uma ausência de comunicação com os outros". O primeiro livro, oferta do pai, foi "O Romance da Raposa", de Aquilino Ribeiro. Vivia perto do Jardim Zoológico e, gostando muito de animais, fazia-lhe "impressão e pena" ouvir "os pesadelos das feras" ali bem perto. Como disse à RTP, gostava tanto de plantas que "pedia licença quando passava pelos canteiros de flores". A palavra e a escrita eram também paixões e "tinha uma caligrafia muito bonita". O cenário dos estudos e da convivência só se alterou quando conseguiu aceder à Faculdade de Letras da capital, em 1945. "Fiz muitos amigos que continuam a sê-lo, vivos ou na memória. Costumo dizer que o grande tesouro são os amigos", defendeu na televisão. Aluna de Vitorino Nemésio (ouviu-o ler excertos de "Mau Tempo no Canal"), iria licenciar-se em Filologia Românica ao mesmo tempo que desenvolvia a escrita literária, ainda antes de ser docente no ensino técnico-profissional e, mais tarde, formadora de professores na Escola do Magistério Primário. De 1943 é "A Garrana", primeira obra de ficção que publicou, depois de ganhar o concurso "Procura-se um novelista", organizado pelo jornal O Século e pelo Rádio Clube Português. Alimentou colaborações com jornais e revistas como Graal ou Mundo Literário.

Ensinou camadas da população mais desfavorecida, passando por Barreiro, Almada, Leiria, Caldas, Elvas, Portalegre, entre outras localidades. Sensibilizada pela pobreza com que tomava contacto, foi percebendo as desigualdades sociais gritantes da ditadura que ficaram espelhadas em parte da sua obra poética. Em Portalegre conheceu o escritor José Régio, "uma pessoa encantadora e cheia de gentileza", como recordou à RTP. Na literatura para os mais novos entraria em 1957 com "O Livro da Tila", escrito "em viagens de comboio" (e que mereceu tratamento musical de Fernando Lopes-Graça, considerando a escritora que foi como ter "a formiga e o gigante" em trabalho conjugado), mas outros se seguiriam como "O Palhaço Verde" (1960), "História de Um Rapaz" (1963), "O Cantar da Tila" (este de poesia, 1967), "O Sol e o Menino dos Pés Frios" (1972), que aqui se apresenta e que se apresentou de forma inovadora, ilustrado com imagens do fotógrafo Augusto Cabrita, "O Gato Dourado", "Balada das Vinte Meninas" e "As Botas do meu Pai" (todos de 1977), "A Velha do Bosque" (1983), "As Fadas Verdes" (1994), o "Capuchinho Cinzento" (2005) ou "Lucilina e Antenor" (2008, ilustrado por Constança Lucas). Vários livros da autora foram ilustrados por Maria Keil, uma amiga de quem dizia ser "uma menina cheia de talento". Além da literatura para os mais jovens, Matilde Rosa Araújo foi escrevendo para os adultos: "Praia Nova" (1962), "O Reino das Sete Pontas" (1974), "Voz Nua" (obra de poesia, 1982), "A Estrada Fascinante" (1988) ou "O Chão e a Estrela" (1997).

Várias vezes alvo de distinções e honrarias, em 1980 foi galardoada pela Fundação Calouste Gulbenkian (Grande Prémio de Literatura para a Infância), instituição que voltou a premiá-la em 1996 pelo livro de poemas para crianças "As Fadas Verdes". Manteve contacto com as crianças, cujos direitos defendeu sempre, visitando escolas com regularidade até ter uma idade avançada. "Aprende-se muito com eles", admitia aos 84 anos na RTP. Na madrugada de 6 de julho de 2010, aos 89 anos, terminou o caminho da imortal escritora em defesa das crianças. Gerações de leitores dos seus livros para os mais jovens e para adultos passaram a tê-la viva nos seus corações.


Livros Horizonte


"Gostava tanto de plantas que, quando passava pelos canteiros de flores, pedia licença", contou a sorrir em entrevista à RTP quando já tinha 84 anos.

Fernanda Silva é presença regular aqui no blog. A estreia registou-se com "O Universo num Grão de Areia", de Mia Couto, a 28 de abril, seguindo-se "A Vida Sonhada das Boas Esposas", de Possidónio Cachapa (11 de maio), "Uma Mentira Mil Vezes Repetida", de Manuel Jorge Marmelo (8 de junho), "Bom Dia, Camaradas", de Ondjaki (27 de junho) e "Quem me Dera Ser Onda", de Manuel Rui (5 de julho).

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