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Paulo Jorge Pereira

Fernanda Silva lê "Bom Dia, Camaradas", de Ondjaki

Vencedor do Prémio Saramago em 2013 com o romance "Os Transparentes", o angolano Ondjaki e a obra "Bom Dia, Camaradas" são as escolhas de Fernanda Silva para a leitura de hoje.



Ondjaki (que significa "Guerreiro" em Umbundo, uma das línguas bantu mais faladas em Angola, e que esteve para ser o seu nome atribuído pelos pais, mas, segundo o próprio, em entrevista à TDM, também quer dizer "Traquina", "Malandro" ou "Irrequieto") é o pseudónimo de Ndalu de Almeida, poeta angolano que nasceu em Luanda a 5 de julho de 1977 e licenciou-se em Sociologia na cidade de Lisboa antes de se doutorar em Estudos Africanos (Itália) em 2010. Dez anos antes começara a sua aventura literária com o livro de poesia "Actu Sanguíneu", seguindo-se em 2001 o primeiro livro de contos ("Momentos de Aqui") e a estreia no romance com o livro que aqui é apresentado, "Bom Dia, Camaradas". "Há um lado da minha obra que lida com aspetos mais autobiográficos como é o caso de 'Bom Dia, Camaradas' e mais dois ou três", reconheceu na citada entrevista sobre o primeiro romance, no qual existe uma Luanda recheada de professores cubanos, cartões de abastecimento e conflitos sociais. "A autobiografia é um tema recorrente na Literatura, a minha é bastante alterada, ainda é cedo para fazer uma autobiografia no sentido mais restrito do termo, mas a realidade tem elementos tão literários que seria impossível para mim não passar pela própria realidade. Às vezes, a realidade angolana, sobretudo em Luanda, é tão forte, tão performática, tão já cheia de ficção que não é preciso estar a inventar truques literários, basta às vezes estar perto da realidade para fazer boa ficção", contou ao jornalista da TDM.



Dominando diferentes linguagens, tem trabalhos realizados também em pintura e no domínio do Cinema (que estudou em Nova Iorque) - neste caso, em parceria com Kiluanje Liberdade, assinou o documentário "Oxalá Cresçam Pitangas - Histórias de Luanda", filmado entre 2005 e 2006 -, além de estudos e prática na área do teatro. Vai escrevendo e publicando poesia ("Há Prendisajens com o Xão"), romance ("O Assobiador"), literatura para os mais jovens ("Ynari: A Menina das Cinco Tranças"), romance ("Quantas Madrugadas Tem a Noite") e contos ("E se Amanhã o Medo"). Ao mesmo tempo, pouco antes e já enquanto vivia no Brasil, entre 2008 e 2015, as suas obras ganharam relevo e algumas distinções: em 2007, o livro de contos "Os da Minha Rua" conquista o Grande Prémio APE, três anos mais tarde recebe o Prémio Jabuti na categoria livro juvenil para "Avó Dezanove e o Segredo do Soviético" e de 2013 é o Prémio Saramago em função do romance "Os Transparentes". "Não está explícito, mas essa obra acontece logo no pós-guerra, já com a presença maciça de tudo o que é aquele regresso por causa de razões económicas tanto dos portugueses como dos brasileiros, mas também já a chegada dos chineses", esclareceu na entrevista concedida à TDM. "No meio da reconstrução e do petróleo estão nitidamente os temas da ganância, da corrupção e de outros que são sociais mas não obedecem a fronteiras rígidas entre a ficção e a realidade", sublinhou.

"Em qualquer parte do mundo ainda é complicado ser escritor, mas, por outro lado, é um privilégio", reconheceu em entrevista de 2018 para o Wook. "Somos bem recebidos onde vamos, uma das grandes vantagens é que as pessoas nos recebem de coração aberto. Isso é bonito", comentou. E, quanto àquilo que está contido no papel de quem escreve, o autor opinou: "Para mim, ser escritor não é só a viagem, não é só o escrever, é também o poder contar histórias, trazer um bocadinho de ilusão, de magia à vida das pessoas, sobretudo das crianças", confessou.

Com obra traduzida para mais de uma dezena de idiomas e quase três dezenas de livros publicados nos diferentes géneros (em 2009 estreou-se a publicar uma peça de teatro com "Os Vivos, o Morto e o Peixe-Frito"), é um dos valores seguros da Literatura lusófona e de quem se esperam muitos mais livros atraentes.


Editorial Caminho

Na obra "Os Transparentes", que lhe valeu o Prémio Saramago em 2013, Ondjaki escreve: "O Cego falou em direção à mão do miúdo que lhe segurava o corpo pelo braço, os dois num medo de estarem quietos para não serem engolidos pelas enormes línguas de fogo que saíam do chão a perseguir o céu de Luanda."

Fernanda Silva tem presença regular aqui no blog: estreou-se com "O Universo num Grão de Areia", de Mia Couto, a 28 de abril, seguindo-se "A Vida Sonhada das Boas Esposas", de Possidónio Cachapa (11 de maio), e "Uma Mentira Mil Vezes Repetida", de Manuel Jorge Marmelo (8 de junho).

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