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  • Paulo Jorge Pereira

"Mãe Coragem e os seus Filhos", de Bertolt Brecht

Brecht escreveu a peça "Mãe Coragem e os seus Filhos" pouco antes de começar a II Guerra Mundial. Figura central na cena intelectual da República de Weimar, a subida de Hitler ao poder forçou-o a fugir para o exílio.



Escrita no exílio em 1939, depois de Brecht ter sido forçado a fugir por causa da chegada ao poder dos nazis, em 1933, "Mãe Coragem e os seus Filhos" foi estreada em 1941 na cidade suíça de Zurique. O cenário é a Guerra dos 30 Anos no século XVII, mas a intenção analítica visa o momento que o Mundo vivia à beira de nova catástrofe militar: crítica da guerra e dos negócios que ditam a morte de muitos e a sobrevivência de outros, questiona se sobreviver é uma vitória e que impacto isso exerce na consciência de cada um. Por outro lado, trata-se também de uma análise ao elevado preço a pagar pelo conformismo. A peça relata a história de Anna Fierling, uma vendedora ambulante que vai circulando por diferentes territórios a fazer negócio com a guerra ao mesmo tempo que tenta proteger os filhos (Queijo Suíço, Eilif e Katrin) do conflito armado. No final, o resultado de tudo isto é amargo.

Brecht nasceu em Augsburg, a 10 de fevereiro de 1898, no então estado livre da Baviera, filho de um católico que era diretor de uma fábrica de papel (Berthold) e de uma protestante (Sophie Brezig). Um dos gigantes da dramaturgia mundial, conta com vasta obra escrita nos domínios do teatro e da poesia, além de preponderante trabalho como encenador. Estudou Medicina e trabalhou mesmo como enfermeiro durante a I Guerra Mundial. "Baal" e "Tambores na Noite" seriam as suas primeiras peças com encenação em Munique. Entretanto, conhece Erich Engel, importante diretor teatral e realizador cinematográfico, tornando-se a colaboração entre os dois uma parceria de longa duração. Na Berlim do pós-I Guerra Mundial, Brecht é figura central na cena intelectual da República de Weimar e do Modernismo. Aqui irá também conhecer Erwin Piscator, outro fator decisivo para o seu trabalho. Marxista desde a década de 20, revela intensa atividade nesse período, vai buscar influências a autores da União Soviética e constrói o teatro épico que será uma das suas marcas. Desta fase são, por exemplo, "Na Selva das Cidades", "O Homem é o Homem", "O Elefante Calf", "Mahagonny", "A Ópera dos Três Vinténs" (com música de Kurt Weill), "O Voo no Oceano", "A Decisão" ou "A Mãe", este inspirado no livro homónimo de Maximo Gorki. Ao longo do tempo são várias as mulheres com quem vive, algumas delas em simultâneo: Paula Banhölzer (de quem tem um filho, Frank Banhölzer, mas com quem não pôde casar-se porque o pai dela recusou), Elisabeth Hauptmann, Ruth Berlau, Marianne Zoff, Regine Lutz. Casa-se mesmo com Marianne, de quem tem uma filha (Hanne Hiob, que foi bailarina e atriz).

Entretanto, em 1922, conhecera no Berlin Staatstheater a austríaca Helene Weigl, atriz inesquecível e cujas capacidades lhe renderam enorme sucesso naquele tempo. Só em 1928, quatro anos depois de ter Stefan, o primeiro filho de Brecht (é ainda mãe de Barbara Brecht-Schall, atriz na companhia criada pelo pai e mais tarde gestora do seu legado, tendo morrido em 2015) e um ano antes do casamento, iria estrear-se numa peça do dramaturgo alemão, "Um Homem é um Homem". A partir desse momento estará em quase todas as peças do marido, embora não participe n'"A Ópera dos Três Vinténs" devido a doença (mas será a "Mãe Coragem", um dos seus papéis mais marcantes, já como diretora artística do Berlin Ensemble, em 1949, após o regresso a Berlim).

Em 1933, com a ascensão de Hitler e dos nazis ao poder, foge para Praga, na então Checoslováquia, e logo depois para Viena, na Áustria. Seguiram-se Suíça, Dinamarca, Suécia, Finlândia, União Soviética e, sempre acossado pelas invasões das tropas nazis, a fuga rumo aos Estados Unidos. Ao mesmo tempo que fugia das garras e dos horrores do nazismo, Brecht nunca deixou de escrever: assim nasceram "Terror e Miséria no III Reich", "Os Fuzis da Senhora Carrar", "A vida de Galileu", "Mãe Coragem e os seus Filhos" ou "A Boa Alma de Setsuan". Durante a permanência nos Estados Unidos, em 1947, Brecht seria chamado a depor perante o Comité de Atividades Anti-Americanas (HUAC), liderado pelo senador Joe McCarthy, numa campanha que visava apanhar as "centenas de espiões comunistas" que o dirigente político do Wisconsin considerava estarem envolvidos em conspiração. Depois disso, volta a Berlim e, em 1949, altura em que é criada a República Democrática Alemã, funda a companhia teatral Berlin Ensemble. O casal e os filhos vivem na Chausseestrasse, em Mitte, enquanto o Berliner Ensemble começa por funcionar no Deutsches Theater, embora se transfira mais tarde para o Theater am Schiffbauerdamm, espaço da estreia d'"A Ópera dos Três Vinténs", em 1928 (a partir de 1954 torna-se mesmo a sede definitiva do Berliner Ensemble). Brecht morre no hospital Charité, a 14 de agosto de 1956, vítima de enfarte. Helene prossegue o trabalho à frente da companhia até morrer, a 6 de maio de 1971. Os seus corpos estão sepultados lado a lado no Dorotheenstädtischer Friedhof, junto à Casa Brecht, na qual viveram e onde está guardado o arquivo do dramaturgo.


A obra de Brecht está publicada em Portugal por várias chancelas (Vega, Paz e Terra, Campo das Letras, Cotovia, Bizâncio, Nova Fronteira, ASA e Editora 34)


"Há Homens que lutam um dia e são bons; Há outros que lutam um ano e são melhores; Há Homens que lutam muitos anos e são muito bons; Mas há Homens que lutam toda a vida e estes são os imprescindíveis", escreveu Brecht.

A leitura que aqui se apresenta parte de consulta ao Arquivo Digital da RTP, tendo por base a encenação da peça em 1986, no Teatro Nacional D. Maria II, na versão de João Lourenço e Vera San Payo de Lemos. Eunice Muñoz foi a protagonista à frente de um elenco riquíssimo que integrou ainda, por ordem alfabética, André Maia; António Anjos; António Banha; Artur Mendonça; Barros Lopes; Carlos Daniel; Carlos Costa; Carlos Duarte; Carlos Fonseca; Catarina Avelar; Francisco Pestana; Igor Sampaio; Irene Cruz; João de Carvalho; Jorge Gonçalves; Madalena Braga; Manuel Cavaco; Mário Pereira; Nuno Franco; Orlando Costa; Rogério Paulo; Ruy de Carvalho; Ruy de Matos e São José Lapa. A direção musical foi de Pedro Osório, o cenário de José Carlos Barros, os figurinos de Lídia Lemos e sonoplastia de Leonel da Silva. Elogiada com entusiasmo pela generalidade da crítica, a peça rendeu ainda inúmeros galardões a alguns dos participantes.

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