Foi um espaço privilegiado para a coexistência de jornais e jornalistas, amigos e rivais, tantas vezes escondendo uns dos outros notícias e reportagens. Mas os fenómenos de encerramento e deslocalização levaram a que o Bairro Alto deixasse de ser "O Bairro dos Jornais", conforme o título do livro escrito por Paulo Martins, para se tornar um bairro de jornal único. Hoje, só A Bola subsiste.
Alguns dos espaços ainda lá estão, como acontece com o edifício que acolheu o jornal O Século na rua que leva o mesmo nome (e que passou a ser sede do Ministério do Ambiente e da Ação Climática); outros sofreram transformações mais ou menos radicais e um dos exemplos que podem apontar-se é o caso do Record, cuja morada costumava ser na Travessa dos Inglesinhos, ali tão perto do histórico rival A Bola, no número 23 da Travessa da Queimada. Mas o Bairro Alto foi durante décadas "O Bairro dos Jornais", como recorda o livro de Paulo Martins, jornalista e docente universitário. Até que a decadência de resultados e a crise da comunicação social canibalizaram as bases da imprensa (e não só...) e tudo se desmoronou entre os (muitos) que fecharam de vez e os (poucos) que foram ocupar outras moradas, reféns dos interesses de grupos económicos donos de (pelo menos) meia dúzia de títulos.
As contas feitas pelo próprio autor, e citadas no livro, referem que "pela faixa Bairro Alto-Chiado passaram pelo menos 593 órgãos de Imprensa. A 15 de maio de 2018, em conversa com o jornalista Fernando Alves, na TSF, Paulo Martins menciona os três tipos de jornalismo que passaram pelo Bairro Alto em cerca de 150 anos: "literário, em tentativas sérias e de capricho e aventuras". Um livro carregado de histórias maravilhosas, no qual desfila a História do próprio país, também salpicado por imagens de realidades que não voltam mais. Um livro que relembra como "mais de 80% dos jornais lisboetas passaram por Bairro Alto ou Chiado", como refere Fernando Alves durante o diálogo. E Paulo Martins complementa com a explicação de que a concentração no Bairro Alto se relacionou diretamente com o facto de ser um modo de estarem perto das tipografias, "40 das 43 que chegaram a existir em Lisboa", muitas delas ocupando espaços deixados vagos pelos nobres após o terramoto de 1 de novembro de 1755.
Uma obra que recupera grandezas e misérias não só de jornalistas, mas também de tipógrafos, escritores e ardinas. "Partir do bairro para os jornalistas e para os jornais": assim se processou a movimentação de Paulo Martins na construção de uma obra que recorda como "no número 17 da Rua da Misericórdia houve 17 publicações" como também menciona o jornalista da TSF.
Quetzal
Em século e meio, quase seis centenas de títulos de imprensa passaram pelo Bairro Alto ou pelo Chiado, recorda Paulo Martins, o autor do livro.
Nascido em 1962 na cidade de Coimbra, Paulo Martins tem um percurso jornalístico que, tal como consta do livro, o levou do Desporto a títulos como Diário de Lisboa, A Capital, O Independente ou Jornal de Notícias. Por outro lado, Paulo Martins tornou-se também professor universitário, exercendo no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, assumindo ainda a direção editorial na revista Jornalismo & Jornalistas.
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