Ator com vários trabalhos na área do cinema, do teatro e não só e que, nos últimos tempos, tem integrado o elenco da peça "Alice - O Outro Lado da História", Tomás Garcez apresenta um excerto adaptado de "Murro no Estômago". Trata-se da obra que publiquei a 19 de outubro com histórias de vítimas de violência doméstica contadas na primeira pessoa e experiências de quem combate o flagelo em diferentes papéis.
"Murro no Estômago" já por diversas vezes aqui esteve: Armando Liguori Junior deu-me a honra de ser o primeiro a ler um trecho, a 16 de outubro do ano passado, três dias antes de o livro ser publicado. No dia da publicação, 19 de outubro, eu próprio apresentei um excerto e a 25 de novembro, Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, no Especial sobre violência doméstica que aqui publiquei, fui novamente honrado, desta vez com as leituras da cantautora Rita Redshoes e da realizadora Ana Rocha de Sousa. Gestos de generosidade e solidariedade que não esquecerei de quem, como eu, quer acabar com a violência doméstica.
Agora, com uma alteração (o género do agressor é aqui alterado para feminino), o ator Tomás Garcez, cujo trabalho mais recente foi na maravilhosa peça "Alice - O Outro lado da História", apresenta também um pequeno excerto. Garcez pode ser visto, por exemplo, em trabalhos como "Subsolo" (2018) ou "
Os números da violência doméstica têm rostos. E vozes. Quando me dirigi à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), no verão de 2019, fi-lo para que essas vozes pudessem ser ouvidas. Para que as histórias fossem contadas tal qual aconteceram. Porque, por muito que seja escrito e contado sobre violência doméstica, ainda há muita gente convencida de que só acontece aos outros ou que não nos diz respeito. Na APAV encontrei não só compreensão pelo trabalho do cidadão e jornalista que se lhe dirigia, mas também o entendimento de que é preciso contar, informar, esclarecer - quanto mais se falar do assunto, mais perto estaremos de acabar com os casos de violência doméstica.
As vítimas/sobreviventes - ou, como diz o Daniel Cotrim, as "verdadeiras especialistas em violência doméstica" - são as protagonistas de todo este caminho. Disse-lhes, desde o início do processo, que este livro é, acima de tudo, delas: da sua coragem, da sua resistência, da sua insuperável capacidade para ultrapassar todo o mal que sobre elas se abateu e voltar a viver. A forma comovente como me acolheram e me fizeram sentir que estava em família é algo que nunca vou esquecer. Assim como as lágrimas e o sofrimento espelhado pelos seus olhos à medida que recordavam, uma vez mais, tudo o que passaram. O livro é uma homenagem a todas as que aceitaram contar os seus casos e a tantas outras que, todos os dias, sofrem em silêncio, esperando que possa contribuir para se libertarem e denunciarem o que se passa.
Mas "Murro no Estômago" não ignora todo o trabalho feito em redor de quem é atingido pela violência doméstica, seja ela sob a forma física e/ou psicológica. E por isso estão lá as experiências de que quem combate o flagelo sem dar tréguas nas mais variadas áreas. Com erros e imperfeições, com memórias terríveis e por vezes trágicas, mas também com a noção de que estão a agir para salvar vidas. E que, muitas vezes, conseguem salvá-las.
No final do livro estão informações e contactos que podem estabelecer a diferença. Foi também para isso que o escrevi: quis que fosse uma forma de fazer a diferença. Porque nenhuma forma de violência ou de discriminação é aceitável e temos de ser bem firmes nessa afirmação. Todos os dias. Em todas as áreas da sociedade. Em Portugal e no mundo.
20|20 Editora/Influência
"Murro no Estômago" é uma forma de dar voz às vítimas/sobreviventes de violência doméstica; de mostrar como é um pouco do dia a dia de quem combate o flagelo; e um sinal de esperança, porque a violência doméstica não tem de ser sempre o final do caminho.
As estatísticas não mentem e apontam, todos os anos, para dezenas de vítimas mortais de violência doméstica, sempre com maioria esmagadora de mulheres. Para lá das estatísticas, os números têm rostos. Vidas. Histórias de sofrimento e dor. Os casos multiplicam-se e são relatados com frequência pelos órgãos de comunicação social, mas a situação teima em persistir. Muito se fez nos últimos anos, muitas coisas mudaram para melhor, incluindo a legislação, há diversas organizações não governamentais que têm apoiado centenas de vítimas/sobreviventes e os respetivos filhos. Mas falta uma vontade coletiva, não é de pena ou indiferença que se precisa. É preciso que a educação para a afetividade seja feita desde bem cedo e no sentido de que se rejeite a violência como argumento de poder. Se a legislação é das melhores que existem, é preciso não falhar nas forças de segurança e nos tribunais - prisão preventiva e mais penas de prisão efetiva ao contrário da prática habitual de punição com penas suspensas, no fundo, um convite a que sejam cometidos outros crimes desta natureza. E, além disto, que não faltem apoios estruturais: habitação com rendas acessíveis; verbas para a alimentação, vestuário e escola dos filhos; formação diversificada ao dispor de quem foi vítima e procura voltar a uma vida com estabilidade; postos de trabalho que não promovam baixos salários e exploração da mão de obra.
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