Bernardine Evaristo está de volta e aqui fica outro exemplo do seu trabalho, já premiado pela obra anterior: foi a primeira mulher negra, desde 1969, a vencer o Man Booker Prize, galardão que partilhou com Margaret Atwood, com "Girl, Woman, Other" ou "Rapariga, Mulher, Outra". Mas agora é de "Raízes Brancas" que aqui se trata.
Africanos que escravizam europeus, isto é, os fundamentos do colonialismo virados do avesso e a odisseia de gente com pele clara a sofrer com os horrores dos esclavagistas em tons mais escuros. "Raízes Brancas" conta a história de Doris Scagglethorpe, roubada de sua própria casa para ser submetida a todos os abusos e suplícios do outro lado do mundo. A partir daqui, a imaginação de Bernardine Evaristo faz o resto. E o resto é uma história espantosa que fica muito bem ao lado de "Rapariga, Mulher, Outra", obra que assegurou distinções e elogios à autora.
Aliás, numa entrevista que concedeu ao diário The Guardian, a autora não deixou dúvidas sobre o trabalho premiado: "Quis colocar presença na ausência." Tão simples quanto isto. E, no entanto, tão elaborado, tão delicado e tão complicado de concretizar. Frustrada por encontrar tão poucas mulheres negras na literatura britânica, Bernardine Evaristo escolheu a ação e não o lamento - criou uma história com uma dúzia de personagens que se interligam em percursos e histórias de mais jovens até alguém com mais de 90 anos. Um livro com mulheres e sobre mulheres que, numa linguagem com tanto de impiedosa como de bem-humorada, fala das suas vidas feitas de sofrimentos, triunfos, frustrações, conquistas, alegrias, tristezas, discriminações e olhares diferentes, sem excluir passagens que se valem da própria experiência de vida da autora. Uma escrita simples, atraente, adulta, que deixa para o final uma surpresa e distinguida com o Man Booker Prize, mas, numa decisão que recebeu fortes críticas, não por inteiro: Evaristo, primeira mulher negra a vencer desde 1969, partilhou o galardão e os 57 mil euros em dinheiro com a canadiana Margaret Atwood, a conhecida autora de "The Handmaid's Tail".
Uma de oito irmãos, nascida em Londres no ano de 1959, Bernardine Evaristo teve pai nigeriano, Julius Taiwo Obayomi, e mãe inglesa, Jacqueline Mary Evaristo, crescendo no sudeste da capital. Conforme recordou na entrevista ao Guardian, "era a única menina negra na escola em Woolwich". Queixou-se de o pai nada lhe contar sobre o facto de ser africano e da herança que isso implicava, veio também a saber da ascendência brasileira, irlandesa e alemã que lhe corria no sangue. "Descobri quando já estava na casa dos 20 que havia negros na ocupação que o Império Romano fez do futuro mundo britânico e acabei por escrever sobre isso no meu livro 'The Emperor's Babe', história de uma menina negra na Londres romana", contou.
Iria construir um caminho como atriz e escritora não só de romances, mas também de poesia e teatro. Foi uma das fundadoras do Teatro de Mulheres Negras, nos anos 80, em Londres, escreveu peças, participou em residências literárias e ganhou os primeiros traços de reconhecimento quando publicou uma novela em verso, "Lara", em 1997, embora a primeira obra seja de poesia e se intitule "Island of Abraham" (1993). Seguiram-se o já citado "The Emperor's Babe" (2001) e "Soul Tourists" (2005) antes de editar, com Maggie Gee, "NW15: The Anthology of New Writing" (2007), e de "Blonde Roots" (2009).
Elsinore/Tradução de Miguel Romeira
O livro de Bernardine Evaristo já foi publicado em 2009, mas só agora teve tradução para a língua portuguesa.
Também escritora de dramas radiofónicos como "Hello Mum", a autora foi recebendo galardões e publicou ainda "Mr. Loverman" (2014) antes de chegar o grande momento de sucesso com "Girl, Woman, Other". Pelo meio, desde 1994 que ensina escrita criativa e tem defendido causas como o feminismo, o multiculturalismo, a luta contra a opressão das minorias.
Esta é mais uma presença aqui de Bernardine Evaristo, depois das leituras de "Rapariga, Mulher, Outra", a 22 de dezembro de 2020, do original em inglês, "Girl, Woman, Other", apresentado por Inês Henriques a 13 de fevereiro, e do livro que hoje aqui regressa, após a primeira apresentação a 20 de setembro.
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