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Paulo Jorge Pereira

Sandra Escudeiro lê "Devia Morrer-se de Outra Maneira", de José Gomes Ferreira

Lutador antifascista e escritor que estendeu o seu talento premiado por diferentes territórios - da poesia à ficção, passando por crónica, conto, diário, teatro ou literatura infantil -, José Gomes Ferreira e o seu poema "Devia Morrer-se de Outra Maneira" são as escolhas de Sandra Escudeiro.



Nascido no Porto, a 9 de junho de 1899, José Gomes Ferreira iria ser influenciado pela intervenção política do pai, o empresário Alexandre Branco Ferreira, que chegou a ser vereador na Câmara Municipal de Lisboa - criaria a rede de Bibliotecas Municipais, a Universidade Livre e os Inválidos do Comércio - e também seria empenhado politicamente muitos anos mais tarde, além de herdar a preocupação com os mais desfavorecidos. Sabia ler e escrever quando entrou na escola pela primeira vez e o gosto pela poesia, pela escrita e pela Literatura em geral desenvolveu-o o futuro escritor ainda como estudante liceal no Camões e no Gil Vicente, depois de a família se ter mudado para a capital quando José Gomes Ferreira era ainda criança. Foi aluno de João Soares, a quem chamava o seu "mestre de Geografia", recordando ainda o padre Fiadeiro, seu professor de Português, que chegou a dizer, depois de ler um trabalho seu: "Hás de ser jornalista."

A poesia exerceu tal atração que o escritor ainda foi a tempo de colaborar com Fernando Pessoa na escrita de um poema para a revista Ressurreição, publicação na qual desempenhou funções como diretor literário, contando com participações não só de autores como Augusto Gil e João Barros, mas também de professores do próprio José Gomes Ferreira como Leonardo Coimbra, Câmara Reys, Ângelo Ribeiro e Newton de Macedo.

Mas os interesses do futuro escritor incluíram o facto de estudar e de se licenciar em Direito (1924), chegando a exercer funções de cônsul na Noruega e vivendo na cidade de Kristiansund (em breve haverá aqui mais informação sobre esse tempo, a propósito de um outro livro do autor), mas revela falta de vocação para a diplomacia. Compõe obras musicais, no começo dos anos 30 está de volta a Portugal e passa a desenvolver colaborações jornalísticas em revistas como Seara Nova e Presença (nesta última apresenta, em 1931, o poema "Viver Sempre Também Cansa"). Mais tarde irá fazer traduções para cinema, outra das suas grandes paixões (por exemplo, num documentário sobre a sua vida realizado pela RTP ("Um Homem do Tamanho do Século"), um dos filhos revela que foi a sua tradução que transformou "The Sound of Music" em "Música no Coração"). Por esta altura já publicara dois livros de poesia: "Lírios do Monte" (1918) e "Longe" (1921).

Revoltado com a barbárie na Guerra Civil de Espanha e dos fascismos na II Guerra Mundial, escreve poesia contundente contra criminosos como Hitler ou Franco. Em 1948 quebra o silêncio da obra publicada com "Poesia I" e "Poesia II" nasce dois anos mais tarde. Nunca deixa de escrever ao mesmo tempo que vai participando nas tertúlias de cafés da Baixa lisboeta, alimentando conversas literárias e políticas. Casado por duas vezes, sofre de forma intensa quando a ação política no MUD Juvenil do filho mais velho, o futuro arquiteto Raúl Hestnes Ferreira, é punida com prisão por parte da PIDE. Combatente da ditadura salazarista com intervenções nas múltiplas formas de resistência à opressão, incluindo a associação no Movimento de Unidade Democrática (MUD) e o facto de integrar o grupo de músicos que ajudaram Fernando Lopes-Graça a gravar um álbum de canções revolucionárias - "Não Fiques para Trás, Ó Companheiro" foi a de José Gomes Ferreira. No 25 de Abril de 1974 que tanto o emocionou, conforme deixou escrito em poema, era presidente da Associação Portuguesa de Escritores. Membro da maçonaria desde 1923, depois do 25 de Abril seria candidato pela Aliança Povo Unido (APU) às eleições legislativas de 1979, no ano anterior à sua filiação como membro do Partido Comunista.

Entre poesia, ficção, contos, ensaios, literatura infantil, diários, crónicas e contos publicaria mais de três dezenas de obras, entre as quais vários volumes com o trabalho poético, como "Poeta Militante" (1978), no qual está inserido o poema "Devia Morrer-se de Outra Maneira", aqui apresentado na voz de Sandra Escudeiro. Gomes Ferreira escreveu-o como forma de homenagem à escritora e tradutora Manuela Porto, filha do pedagogo e também escritor César Porto. Na lista de obras mais conhecidas de José Gomes Ferreira estão, por exemplo, "Aventuras de João Sem Medo" (1963), "Imitação dos Dias" (1966), "Tempo Escandinavo" (1969), "O Irreal Quotidiano" (1971), "Revolução Necessária" (1975), "Intervenção Sonâmbula" (1977) ou "Colecionador de Absurdos" (1978). "A missão do Homem é transformar a Terra em Céu", chega a dizer no documentário da televisão pública acima referido.

Os problemas de saúde começaram no dealbar dos anos 80 - depois de uma operação que o debilitou em 1983, José Gomes Ferreira seria vítima de cancro a 8 de fevereiro de 1985.


Publicações D. Quixote


José Gomes Ferreira era o pai do arquiteto Raul Hestnes Ferreira que, em 1978, foi o responsável pelo projeto da então designada Escola Secundária de Benfica, mais tarde recebendo o nome do escritor em homenagem.

Sandra Escudeiro, que se identifica como "uma amante da Leitura", tem presença regular aqui no blog, nasceu em 1973 e vive em Vila Nova de Famalicão. É a dinamizadora do "Clube de Leitores", na biblioteca escolar da Escola Básica de Ribeirão, onde trabalha há 11 anos. Por outro lado, é também artesã e, em part time, dedica-se à trapologia desde 2009. Inspira-se na literatura e nos seus autores, idealiza e constrói bonecos exclusivos em trapos designados "Bonecos Urbanos", aqui surgindo as "Figuras Literárias", isto é, bonecos que caracterizam os mais importantes escritores, diversas personagens das histórias infantis bem como outros seres idealizados na imaginação da criadora. Podem acompanhar aqui o seu maravilhoso trabalho: bonecosurbanos.blogspot.com.

Esta é a sua oitava presença aqui no blog. Tudo começou com a leitura do poema "A Espantosa Realidade das Coisas", de Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa, a 15 de junho; seguiram-se "O Limpa-Palavras", de Álvaro Magalhães, a 26 desse mês; "Canção na Massa do Sangue", de Jacques Prévert, a 30 de julho; "Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres", de Clarice Lispector, a 2 de outubro; "Só" e "O Poço é o Pêndulo", de Edgar Allan Poe, foram as suas leituras de 2 de novembro; no dia 21 desse mês regressou com "Os Transparentes", de Ondjaki. E aproveitou o centenário da escritora Clarice Lispector para regressar, participando nessa edição especial com Inês Henriques e recorrendo à leitura de dois fragmentos da obra da brasileira, no dia 10 de dezembro. A 23 desse mês voltou, então para apresentar um excerto do livro "O Pintor Debaixo do Lava-Louças", de Afonso Cruz. A sua presença mais recente antes de hoje era de 24 de janeiro quando apresentou o poema "Quarto Crescente", do livro "Luto Lento", escrito por João Negreiros.

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