Um excerto do conto "O Homem no Roupeiro", inserido na obra "Primeiro Amor, Últimos Ritos", de Ian McEwan, é a escolha de Agostinho Costa Sousa para hoje.
Andrea Koczela relembra no blog.bookstelyouwhy.com questões marcantes da vida de Ian McEwan. O pai, David McEwan, era "militar de carreira que viveu fases de abuso do álcool e de exercício de violência doméstica sobre a mulher"; a mãe, Rose, "uma pessoa tranquila com vergonha do seu sotaque de elemento da classe operária". Conheceram-se durante a II Guerra Mundial, numa altura em que Rose já tinha duas crianças de um casamento anterior (o rapaz, Jim, foi entregue a uma avó e Maggy, a rapariga, enviada para um colégio privado). Do relacionamento com David "nasceu o irmão mais velho de Ian McEwan, entregue a um casal que respondeu ao anúncio de jornal colocado pela mãe: 'Wanted, home for baby boy, age one month; complete surrender'." Ian, nascido em Aldershot a 21 de junho de 1948, "só muitos anos mais tarde tomou conhecimento da existência do irmão, David Sharp". Devido à profissão do pai, viajou muito durante a infância, passando pela Ásia, Norte de África e Alemanha, mas aos 11 anos também foi colocado como interno num colégio. A solidão transformou-o numa criança calada e com tendência para devorar leituras sem qualquer tipo de critério, situação que iria alterar-se por iniciativa de professores que lhe deram pistas e informação para selecionar melhor as obras a ler.
Com antecedentes tão sombrios, não se tornou estranho que os tempos iniciais da sua escrita fossem igualmente escuros e, em função disso, ganhou a alcunha de "Ian Macabro". Era estudante universitário quando publicou os primeiros contos, em 1975, sob o título "Primeiro Amor, Últimos Ritos", logo ganhando um dos vários prémios que têm distinguido uma obra muito especial. Segue-se outro livro de contos, "Entre os Lençóis" (1978) e, no mesmo ano, a estreia no romance com a publicação de "Jardim de Cimento", adaptado ao grande ecrã em 1993 e com Charlotte Gainsbourg. De 1981 são "Estranha Sedução" e "The Imitation Game", este um livro cujo argumento para telefilme foi também escrito por McEwan. Vai escrevendo e publicando com regularidade e continua a ter obras adaptadas ao cinema: "Estranha Sedução" (adaptado em 1990 por Harold Pinter e tendo Paul Schrader como realizador), "O Inocente" (1993, com Anthony Hopkins e John Schlesinger a realizar), "O Fardo do Amor" (o livro é de 1997, a adaptação cinematográfica faz-se em 2004 com Daniel Craig e Roger Michell no papel de realizador) e a consagração literária chega em 1998 quando recebe o Man Booker Prize por "Amsterdam". Mas é com "Expiação" ("Atonement", no original, publicado em 2001) que junta ao sucesso da escrita o êxito de bilheteira e nomeações em Hollywood: com Keira Knightley, Saiorse Ronan - a quem McEwan adora -, James McAvoy, Vanessa Redgrave e realização de Joe Wright, o filme foi nomeado para sete Óscares em 2008, recebendo apenas o de Banda Sonora Original. "Sábado" sai em 2006 e "Na Praia de Chesil" no ano seguinte, tendo sido adaptado à 7ª Arte em 2018, outra vez com Saiorse Ronan e argumento do próprio McEwan. Aventura-se depois num libreto para uma ópera de Michael Berkeley com "Por Ti" e, embora publique outros livros pelo meio, só volta aos filmes com a adaptação de "A Balada de Adam Henry" (o livro foi publicado em 2014, a adaptação a filme é de 2017, ficou com o título de "Um Ato de Esperança", tendo Emma Thompson, Stanley Tucci e Ben Chaplin nos principais papéis).
Forte crítico do Brexit, publica "Numa Casca de Noz", "Máquinas Como Eu" e "A Barata", este o seu livro mais recente. Trata-se de uma resposta satírica ao Brexit e aos desprezados ideólogos do processo de saída do Reino Unido da União Europeia. Na obra, com ecos do que acontece a Gregor Samsa no livro "A Metamorfose", de Franz Kafka, o primeiro-ministro transforma-se numa barata. Neste caso, porém, não se trata de um ser humano que se torna um inseto, mas sim de uma barata que se apodera do corpo de Jim Sams, o referido primeiro-ministro...
O trabalho literário de Ian McEwan já fora obra de leitura por aqui, a 27 de maio de 2020, quando Alda Rocha apresentou um trecho de "Sábado". Um neurocirurgião de sucesso, Henry Perowne, com um casamento feliz, dois filhos que são espelho da felicidade do casal (ela é poeta, ele músico) e toda a ação do romance a decorrer num só dia, 15 de junho de 2003, o da manifestação em Londres contra a guerra no Iraque. Então, Perowne desperta de madrugada e vê, a partir da janela, um avião a arder em direção ao aeroporto de Heathrow. Aqui começam as interrogações, angústias e todos os episódios que vão decorrer naquelas intensas 24 horas. Trata-se de um livro para o qual o autor acompanhou de perto o neurocirurgião Neil Kitchen nas suas rotinas dentro do National Hospital for Neurology and Neurosurgery, incluindo delicadas operações. Então com 56 anos, "Sábado" foi o 12º trabalho ficcional do percurso literário de Ian McEwan, numa altura em que trocara Oxford por Londres, vivendo em Fitzrovia com a segunda mulher, a jornalista Annalena McAfee, o filho mais velho (Will) estudava Biologia e o mais novo (Greg) estava em viagem no Brasil. Mas a sua história começara muito antes e aqui se recordam algumas dessas etapas.
Gradiva/Tradução de Ana Falcão Bastos
"Um homem que tenta aliviar o sofrimento das mentes que falham reparando cérebros tem necessariamente de respeitar o mundo material, os seus limites e o que ele consegue aguentar – a consciência. O que já não é pouco", lê-se no livro "Sábado".
Agostinho Costa Sousa reside em Espinho e socorre-se da frase de Antón Tchekhov: "A medicina é a minha mulher legítima, a literatura é ilegítima" para se apresentar. "A Arquitetura é a minha mulher legítima, a Leitura é uma das ilegítimas", refere. Estreou-se a ler por aqui a 9 de maio com "A Neve Caindo sobre os Cedros", de David Guterson, seguindo-se "As Cidades Invisíveis", de Italo Calvino, a 16 do mesmo mês, mas também leituras de obras de Manuel de Lima e Alexandra Lucas Coelho a 31 de maio. "Histórias para Uma Noite de Calmaria", de Tonino Guerra, foi a sua escolha no dia 4 de junho. No passado dia 25 de julho, a sua escolha recaiu em "Veneno e Sombra e Adeus", de Javier Marías, seguindo-se "Zadig ou o Destino", de Voltaire, a 28. O regresso processou-se a 6 de setembro, com "As Velas Ardem Até ao Fim", de Sándor Márai. Seguiram-se "Histórias de Cronópios e de Famas", de Julio Cortázar, no dia 8; "As Palavras Andantes", de Eduardo Galeano, a 11; "Um Copo de Cólera", de Raduan Nassar, a 14; e "Um Amor", de Sara Mesa, no dia 16. A 19 de setembro, a leitura escolhida foi "Ajudar a Estender Pontes", de Julio Cortázar. A 17 de outubro, a proposta centrou-se na poesia de José Carlos Barros com três poemas do livro "Penélope Escreve a Ulisses". Três dias mais tarde leu três poemas inseridos na obra "A Axila de Egon Schiele", de André Tecedeiro. A 29 de novembro apresentou "Inquérito à Arquitetura Popular Angolana", de José Tolentino de Mendonça. De dia 1 do mês seguinte é a leitura de "Trieste", escrito pela croata Dasa Drndic e, no dia 3, a proposta foi um trecho do livro "Civilizações", escrito por Laurent Binet. No dia 5, Agostinho Costa Sousa dedicou atenção a "Viagens", de Olga Tokarczuk. A 7, a obra "Húmus", de Raul Brandão, foi a proposta apresentada. Dois dias mais tarde, a leitura foi dedicada a um trecho do livro "Duas Solidões - O Romance na América Latina", com Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa. Seguiu-se "O Filho", de Eduardo Galeano, no dia 20. A 23, Agostinho Costa Sousa trouxe "O Vício dos Livros", de Afonso Cruz. Voltou um mês mais tarde com "Esta Gente/Essa Gente", poema de Ana Hatherly. No dia 26 de janeiro, apresentou "Escrever", de Stephen King. Quatro dias mais tarde foi a vez de Maria Gabriela Llansol com "O Azul Imperfeito". "Poemas e Fragmentos", de Safo, e "O Poema Pouco Original do Medo", de Alexandre O'Neill, foram outras recentes participações. Seguiram-se "Se Isto É Um Homem", de Primo Levi, e "Se Isto É Uma Mulher", de Sarah Helm. No dia 18 de março, a leitura proposta foi de um excerto de "Augustus", de John Williams. A 24, Agostinho Costa Sousa leu "Silêncio na Era do Ruído", de Erling Kagge; a 13 de abril, foi a vez do poema "Guernica", de Rui Caeiro e, no dia 20, apresentou um pouco de "Great Jones Street", de Don DeLillo. No Especial dedicado ao 25 de Abril, a sua escolha foi para "O Sangue a Ranger nas Curvas Apertadas do Coração", escrito por Rui Caeiro, seguindo-se "Ararat", de Louise Glück, no Dia da Mãe e do Trabalhador, a 1 de maio. "Ver: Amor", de David Grossman, foi a proposta de dia 17. No dia 23, a leitura proposta trouxe Elias Canetti com um pouco da obra "O Archote no Ouvido". A 31 de maio surgiu com "A Borboleta", de Tonino Guerra.
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