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  • Paulo Jorge Pereira

Inês Henriques lê "Todas as Crónicas", de Clarice Lispector

Aqui se relembra o momento em que Inês Henriques regressou à obra da escritora Clarice Lispector, apresentando um exemplo de "Todas as Crónicas", neste caso a que se intitula "Liberdade".



Nascida na então República Popular da Ucrânia a 10 de dezembro de 1920, filha de pais judeus numa família que sofrera com as perseguições em massa (pogroms), o seu nome era Chaya Pinkhasovna Lispector. Dois anos depois seguiu com a família para o Brasil, onde vivia a sua tia materna, na fuga ao antissemitismo e à destruição causada pela guerra civil. Lá se tornou Clarice, cedo mostrando aptidões para a escrita. Desde os 13 anos que sentiu vontade de ser escritora (com sete anos já sabia ler e escrever). A infância fora agitada, com marcas de pobreza extrema e de perdas irreparáveis. De Maceió para o Recife e daqui para o Rio de Janeiro, por entre gritante instabilidade financeira da família, Clarice e as irmãs (Tania e Elisa) perderam a mãe, Mania Krimgold Lispector, para quem chegara a inventar jogos com frases, em 1930. Tentaria mais tarde atenuar os problemas de ordem económica na família ao dar explicações de Português e Matemática e tornou-se uma leitora persistente, admirando Machado de Assis, Dostoievski, Monteiro Lobato e Herman Hesse. Já escrevia e enviou mesmo contos para a secção infantil do Diário de Pernambuco, mas nunca teve direito a publicação.

Em 1940 morreu o pai, Pinkhas (que passara a ser Pedro no Brasil), numa fase em que Clarice era estudante universitária de Direito, trabalhava num escritório de advocacia e fazia traduções de textos científicos. Com a morte do pai, Elisa e Tania foram morar para casa de Elisa, já casada com William Kaufmann. Clarice estava saturada do seu emprego e, apesar da discriminação por ser mulher, foi à procura de acesso ao jornalismo, nessa altura sob controlo e censura do governo liderado por Getúlio Vargas. Visitou diversas redações, distribuiu os seus contos e, na revista Vamos Ler!, acabou por conseguir as primeiras publicações. Mais tarde, foi contratada para a Agência Nacional por Lourival Fontes, secretário do ministro da Propaganda. Aqui conhece e apaixona-se pelo escritor e jornalista Lúcio Cardoso, mas não é correspondida, uma vez que o mineiro era homossexual. O seu trabalho jornalístico vai crescendo, viaja, faz entrevistas e escreve reportagens, não deixa de escrever contos. Inicia uma relação que resultará em casamento, a 23 de janeiro de 1943, com Maury Gurgel Valente, seu colega em Direito e futuro diplomata.

Antes, em 1942, passa a escrever para o jornal A Noite, lê Espinosa, Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Manuel Bandeira e escreve "Perto do Coração Selvagem", obra de estreia que é publicada em dezembro do ano seguinte, altura em que Clarice e o marido se licenciam em Direito. O marido torna-se vice-cônsul e o casal instala-se em Belém a partir de janeiro de 1944, mas um ano mais tarde Maury Gurgel é indigitado para o consulado em Nápoles e ruma a Itália primeiro, ainda sem Clarice. A escritora só a 30 de julho começou uma viagem que a levaria a escalas na Libéria, Guiné-Bissau, Senegal, Portugal - onde conhece personalidades do meio literário como João Gaspar Simões, Natércia Freire e Maria Archer -, Marrocos e Argélia, chegando a Nápoles a 24 de agosto. Em Itália recebe a notícia de que o primeiro livro foi premiado e termina o segundo, intitulado "O Lustre", publicado em 1946. Regressa ao Brasil durante três meses como correio diplomático e, no início de março, o marido é transferido para Berna e a mulher acompanha-o.

Clarice combate as rotinas com a escrita de contos que vai publicando em jornais e renova leituras, descobrindo Simone de Beauvoir, Jean Cocteau e Henrik Ibsen. A 10 de agosto de 1948, é mãe pela primeira vez. Ao filho Pedro se juntará Paulo, nascido a 10 de fevereiro de 1953, numa altura em que Clarice e o marido vivem já em Washington face ao seu cargo de diplomata na capital norte-americana. Pelo meio publica "A Cidade Sitiada" (1949), mas a sua vida sofre um novo abalo quando é diagnosticada esquizofrenia ao filho mais velho. É num período em que se dedica por inteiro a levar Pedro aos médicos que decide divorciar-se, em 1959, voltando a viver no Brasil. Volta às traduções depois de uma longa interrupção. E, acima de tudo, escreve muito, em jornais e não só, também para exorcizar sentimentos de culpa com a doença de Pedro. Livros de contos como "Laços de Família" (1960) e "A Legião Estrangeira" (1964) ou romances: "A Maçã no Escuro" (1961) e "A Paixão segundo G.H." (1964).

Um cigarro esquecido aceso durante a noite provoca um incêndio em casa e, devido à gravidade das queimaduras, quase lhe causa a morte em setembro de 1966. A recuperação é dolorosa, mas Clarice dedica-se a escrever para os filhos "O Mistério do Coelho Pensante" (1967) e "A Mulher que Matou os Peixes" (1968) - mais tarde, a sua obra de literatura infantil incluirá "A Vida Íntima de Laura" (1974), "Quase de Verdade" (1978) e "Como Nasceram as Estrelas" (1987), os dois últimos em publicação póstuma. Mas também há inspiração para romances como "Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres" (1969) e "Água Viva" (1973) e livros de contos - "Onde Estivestes de Noite" e "Via Crucis" (ambos de 1974). Entretanto, agrava-se a esquizofrenia de Pedro para angústia de Clarice. Escreve mais, escreve ainda e sempre: "O Ovo e a Galinha" e "A Hora da Estrela", ambos de 1977. É, aliás, pouco depois da publicação deste último que descobre a doença: sofre de cancro num ovário em estado muito adiantado e com metástases espalhadas pelo corpo. Internada no hospital, morre na véspera de completar 57 anos, a 9 de dezembro de 1977. Mesmo assim, não cessam de ser publicados livros que deixou escritos como "Um Sopro de Vida" ou "A Bela e a Fera".

A obra de Clarice Lispector foi várias vezes abordada aqui no blog. Inês Henriques apresentou-a em estreia a 27 de abril de 2020 com um excerto de "Perto do Coração Selvagem"; a professora universitária Stefania Chiarelli leu um pouco de "Felicidade Clandestina", que também voltou, a 9 de julho; Maisa Barbosa mostrou um trecho de "Todas as Crónicas" a 15 de agosto; Sandra Escudeiro apresentou uma leitura de "Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres" a 2 de outubro; a 10 de dezembro, data do centenário do nascimento da escritora, Inês Henriques e Sandra Escudeiro juntaram-se no Especial dedicado a Clarice com um conto do livro "Felicidade Clandestina" e para a apresentação de dois fragmentos.


Relógio d'Água


Foi Pedro Karp Vasquez quem organizou a coletânea de crónicas que espelha a produção de Clarice Lispector em diferentes publicações, entre 1946 e 1977.

Inês Henriques é presença regular aqui no blog. A paixão e o carinho pelos livros têm acompanhado a sua vida. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses e Franceses), escolheu o Jornalismo como profissão e o Desporto como área de atuação. Realizado o curso profissional no CENJOR, foi estagiária na Agência Lusa, à qual voltaria mais tarde, e trabalhou no jornal A Bola antes de entrar na redação do Portal Sapo. Neste contexto, a proximidade do desporto adaptado levou-a a escrever "Trazer o Ouro ao Peito - a fantástica história dos atletas paralímpicos portugueses", publicado em 2016. Agora, apesar de já não estar no universo profissional do Jornalismo, continua atenta a essa realidade ao mesmo tempo que tem sempre um livro para ler. E vários autores perto do coração. Aqui no blog, estreou-se a 27 de abril de 2020 com "Perto do Coração Selvagem", de Clarice Lispector; voltou a 10 de maio e leu um excerto de "A Disciplina do Amor", de Lygia Fagundes Telles; no último dia de maio apresentou parte de "351 Tisanas", obra de Ana Hatherly; a 28 de junho, propôs literatura de cordel, com um trecho do livro "Clarisvânia, a Aluna que Sabia Demais", escrito por Luís Emanuel Cavalcanti; a 22 de agosto apresentou um excerto da obra "Contos de Amor, Loucura e Morte", escrita por Horacio Quiroga; a 15 de setembro leu um trecho de "Em Açúcar de Melancia", de Richard Brautigan; a 18 de novembro voltou com "Saudades de Nova Iorque", de Pedro Paixão, e na quinta-feira, 10 de dezembro, prestou a sua homenagem a Clarice Lispector no dia em que a escritora faria 100 anos, lendo um conto do livro "Felicidade Clandestina". Três dias mais tarde apresentava "Os Sete Loucos", de Roberto Arlt.

A 3 de janeiro leu um trecho de "Platero e Eu", de Juan Ramón Jiménez. No dia 8 foi a vez de ter o seu livro em destaque por aqui, quando li um excerto de "Trazer o Ouro ao Peito". A 23, a Inês voltou e leu um trecho do livro "O Torcicologologista, Excelência", de Gonçalo M. Tavares e no dia 1 de fevereiro foi uma das participantes no Especial dedicado ao Dia Mundial da Leitura em Voz Alta com "Papéis Inesperados", de Julio Cortázar.

A 13 de fevereiro apresentou um excerto do livro "Girl, Woman, Other", de Bernardine Evaristo, participando a 8 de março no Especial dedicado ao Dia Internacional da Mulher com a leitura de um trecho do livro "A Ilha de Circe", de Natália Correia. A 5 de maio participou, com Armando Liguori Junior, no Especial dedicado ao Dia Mundial da Língua Portuguesa. No dia 22 de maio, ao lado de Raquel Laranjeira Pais e Rui Guedes, contribuiu para o Especial dedicado ao Dia do Autor Português. A 1 de junho interveio no Especial do Dia Mundial da Criança com "Ulisses", de Maria Alberta Menéres.

A 7 de agosto, Inês Henriques leu um pouco da obra de estreia de Duarte Baião, "Crónicas do Desassossego". Chico Buarque e "Essa Gente" estiveram na sua leitura a 17 deste mês e, no dia 20, foi a vez de um pedaço do livro "À Noite Logo se Vê", de Mário Zambujal. "Sobre o Amor", de Charles Bukowski, foi a sua leitura de 7 de setembro, seguindo-se "Na América, Disse Jonathan", dois dias mais tarde. No domingo, dia 12, foi "Dom Casmurro", de Machado de Assis, a sua escolha para ler. Dia 15 foi o escolhido para apresentar "Coração, Cabeça e Estômago", de Camilo Castelo Branco. "Flores", de Afonso Cruz, foi a sua proposta no passado dia 17. A 21 de setembro apresentou "Normal People", de Sally Rooney. A 30 de setembro revelara a mais recente leitura: "Sartre e Beauvoir: A História de uma Vida em Comum", de Hazel Rowley. "Desamor", de Nuno Ferrão, surgiu a 20 de novembro, seguindo-se, além da já mencionada em cima leitura de "Amor Portátil", também a obra "Niketche: Uma História de Poligamia", de Paulina Chiziane, no dia 13, e ainda "Olhos Azuis, Cabelo Preto", de Marguerite Duras, no dia 22. Na véspera de Natal, Pedro Paixão e "A Noiva Judia" foram os convidados na leitura de Inês Henriques. A 1 de fevereiro, Dia Mundial da Leitura em Voz Alta, apresentou um trecho de "Todas as Crónicas", de Clarice Lispector. "Platero e Eu", de Juan Ramón Jiménez, que aqui estivera em janeiro de 2021, regressou no sábado, dia 12 de fevereiro. Dois dias depois começava a leitura de excertos do livro "A Nossa Necessidade de Consolo é Impossível de Satisfazer", do sueco Stig Dagerman, que se concluiu a 19 de fevereiro. A 28, o regresso às leituras por aqui fez-se com um excerto de "Pedro Lembrando Inês", de Nuno Júdice. "Um, Ninguém e Cem Mil", de Luigi Pirandello, foi a leitura proposta no dia 4 de março. "Putas Assassinas", de Roberto Bolaño, surgiu a 10 de março. Herberto Helder e "A Menstruação Quando na Cidade Passava", do livro "Poemas "Completos", foram a leitura seguinte. No dia 19, a proposta recaiu sobre "A Noite e o Riso", de Nuno Bragança.

A 2 de abril, aqui se recuperara a sua leitura de um trecho da obra "Em Açúcar de Melancia", de Richard Brautigan. No dia seguinte homenageou a falecida Lygia Fagundes Telles com um trecho da obra "A Disciplina do Amor" e a 23 aqui recuperei a sua leitura de "Novas Cartas Portuguesas", de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa. No Especial dedicado ao 25 de Abril, Inês Henriques apresentou um excerto da obra "Os Filhos da Madrugada", de Anabela Mota Ribeiro. A 5 de maio, no Especial dedicado ao Dia Mundial da Língua Portuguesa, propôs "Manual de Pintura e Caligrafia", de José Saramago. A 6 de junho leu "A Sangrada Família", de Sandro William Junqueira. No dia 1 de agosto, a escolha recaiu no japonês Junichiro Tanizaki com um excerto da obra "A Confissão Impudica". De 10 de outubro é a homenagem à nova Nobel da Literatura, Annie Ernaux, com um excerto do livro "Uma Paixão Simples". De 10 de outubro é a homenagem à nova Nobel da Literatura, Annie Ernaux, com um excerto do livro "Uma Paixão Simples". A 21 de outubro leu "Para Onde Vão os Guarda-Chuvas", de Afonso Cruz. De 14 de novembro, no Especial Centenário de José Saramago, é a recuperação da sua leitura de um excerto da obra "Manual de Pintura e Caligrafia". No Especial 1.000 Leituras de dia 23, "A História de Roma", de Joana Bértholo, foi a sua escolha. No dia 28 trouxe um pouco do livro "A Carne", cuja autora é Rosa Montero. O último dia de 2022 mostrou-a a ler um trecho da obra "Lavoura Arcaica", de Raduan Nassar. Voltou a 10 de fevereiro e leu um pouco do livro "Um Bom Homem É Difícil de Encontrar", de Flannery O'Connor. No dia 14 de fevereiro, a leitura proposta foi "Falha", de Sarah Kane. A 8 de março, no Especial sobre o Dia Internacional da Mulher, leu "Os Anos", de Annie Ernaux. E, a 21, quando aqui surgiu o Especial dedicado ao Dia Mundial da Poesia, cá esteve a ler "What's in a Name", de Ana Luísa Amaral. "A Cerimónia do Adeus", de Simone de Beauvoir, foi a sua proposta de 31 de março. A 26 de abril leu um excerto de "Sopro", de Tiago Rodrigues. De 9 de maio é o regresso de "351 Tisanas", de Ana Hatherly. "Na América, Disse Jonathan", de Gonçalo M. Tavares, voltou a 26 de maio. "A Solidão dos Inconstantes", de Raquel Serejo Martins, foi a proposta de 12 de junho. Camilo Castelo Branco e o seu "Coração, Cabeça e Estômago" voltaram a 26 de junho.

A 30 de junho leu "Garden Party", de Katherine Mansfield. A 5 de julho voltou "Sobre o Amor", de Charles Bukowski. "Karen", de Ana Teresa Pereira, é de 28 de julho. A 7 de agosto chegou "Um Crime Delicado", de Sérgio Sant'Anna. "Neverness", uma vez mais de Ana Teresa Pereira, foi a sugestão de 20 de agosto. Maria Gabriela Llansol foi a autora selecionada para as leituras seguintes: "Cantileno", a 25 de agosto, e "O Sonho é um Grande Escritor", a 1 de setembro. "Pedro Lembrando Inês", de Nuno Júdice, voltou a 8 de setembro. De 13 de setembro é a sua homenagem no centenário de Natália Correia com a "Poesia Reunida". "A Casa do Incesto", de Anaïs Nin, foi a leitura de 2 de outubro. A 16 de outubro trouxe uma primeira leitura da obra de Ana Cássia Rebelo com "Babilónia". A segunda apresentou um trecho da obra "Ana de Amsterdam", no dia 23. De 6 de novembro é a leitura de um trecho de "Dano e Virtude", cuja autora é Ivone Mendes da Silva. A 24 leu "Todos os Dias uma Carta", de Maria Gabriela Llansol. De 9 de dezembro é a sua leitura de um trecho do meu segundo romance, intitulado "Filho da PIDE". A 26 de dezembro trouxe "Desassossego das Crónicas", de Duarte Baião. De 18 de janeiro é o regresso de "Em Açúcar de Melancia", de Richard Brautigan.

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